domingo, 15 de março de 2009

o amante


Seu coração batia aos pulos. Ela pedia para que ele aguardasse o momento certo. Que não misturasse os fatos. Que cada estremecimento escoasse no exato instante em que as portas se abrissem. Sempre fora precipitada.

A cama parecia tão ninho e as pernas dele entre as dela um pergaminho de gentileza. O amor fez germinar esse chão. Ela tem se sentido florescer.

Pensamentos carregados de imagens desenhavam enredos de múltiplas escrituras. Ela tinha urgência. Afinal de contas, as palavras corriam até os dedos e pediam passagem. Sua boca enchia-se de uma saliva quente, mesclando voz e suspense. De quantos nomes se faz uma estória? Elas nascem dos lugares ermos que abrigam imaginação e lembranças que resistem. Ela leu num canto qualquer que era preciso reter-se, conservar os líquidos. Isso lhe pareceu tão kantiano.

Ele beijou suavemente sua boca. Ela entreabriu os lábios. Que importa reter-se? O braço dele pedia que ela guardasse seu sono. O rosto dele se fincava bem no espaço quente entre ombro e pescoço. Ela o acolhia.

E se os personagens fossem luminosos, capazes de apagar asperezas e manchas? Um tivesse nascido marcado pelo elemento terra e outro sob a regência dos ventos. Um lento e o outro tormento. Um asceta o outro vida concreta.

Acabou de cruzar os dedos entre os dela. Ele pressente. Ela manteve-se quieta, como quem também adormece. Permaneceu em vigília até que ele se sentisse amparado por braços e pernas. Um sono tingido de esquecimento.

Havia chegado o momento esperado. Ela poderia deixá-lo. Finalmente, sua vontade se moveria sem a contagem das horas e sem olhos para ver. O deserto ocupou a casa. Havia lugar para o segredo aguardado por ela. Andou pés sob pés até a sala. Inundada. Tomou a caneta entre os dedos e dispôs o papel em branco diante do corpo. Com pudor, foi retirando todas as vestes das palavras. Peça por peça. Tremulando em cada tentativa de toque. Estreitando-se ao ponto mínimo de distância entre vontade e linguagem. Uma corrente transforma duas partes em uma só coisa. Deixa-as escorrer até aqui, diante de seus olhos. E você leitor faz parte dos rascunhos de uma estória de amor.

27 comentários:

  1. Cara Glória. Antes de mais, gostaria de dizer que essa coisa de selos em blogs me lembra aqueles papéis de carta que minhas colegas da segunda série colecionavam. Logo, não me apetecem, porque além de me soarem como pílulas ao ego, tem um quê de ginásio e escola estadual que me faz lembrar de um soco que tomei de certa moça após levantar sua saia. Mas tudo bem, já que o hematoma não deixou vestígios no meu rosto e após essa moça, outras moças deixaram que eu levantasse suas saias sem me legarem qualquer violência distante do puro prazer. Entretanto, por falar em vestido, suas palavras, como tem acontecido de uns tempos pra cá, estão buscando o que está para além das palavras, como se quisessem tirar aquele véu do qual Thoreau fala ao passear por um inverno rigoroso. Contudo, seu inverno só é inverno porque é letra. Do contrário, seria pele. Por isso, suas palavras são a própria acolhida feita de ombros e cabelos. Portanto, leitores se tornam cúmplices. E isso explica a suma do que tento dizer. Nota-se que há um fluxo e algo que, ao revés do correr, escorre - e por isso é, chegando até mim e me trazendo um sorriso gerúndio que cumula presente/passado/futuro na incerteza de uma planura na qual não acredito. Porém, hoje não estou para muitos verbos, pois embora me sinta terno ao fazer parte de uma estória de amor rascunhada aos jorros, algo anoitece dentro daquilo tudo que digo. Quem sabe o amanhecer seja mera questão de tempo. Mas enquanto isso, talvez o silêncio seja necessário, assim como a nudez é que nos lança na história/língua da vida. Falar demais, afinal, um dia nos tornará roucos. E é possível que esse ruído que você acaba de ouvir, seja a sincronia de uma dor que aos poucos se torna prazer dentro de mim. E qual é essa dor? Se eu viver, verei. Mas continuo sentado na sua frente, ausente-presente: decaído anjo que não chegou ao céu porque queria provar do vinho dos homens e do corpo das mulheres. Um beijo, minha querida. E obrigado pelo abraço.

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  2. Glorinha, hehe, tem um selo pra você no meu blog! Eu te indiquei também!! Agora devemos postar esse selo lá no blog como você tem os seus aqui?
    Beijos,
    Carpe Diem!!!

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  3. Sublime...senti-me nesses rascunhos.

    Estórias de amor que são baseadas em Histórias da vida.

    "Uma corrente transforma duas partes em uma só coisa."

    concordo, mas essa corrente precisa ser firme, precisa de equilibrio, para não ser puxada com força de um só lado..
    Eu acredito na corrente do amor, entre pessoas que querem amar de verdade...entre seres sensíveis e sinceros...
    Você... Glória, é a prova viva desses seres divinos, de um coração nobre, que consegue fazer os seus leitores (exemplo eu) encher os olhos de lágrimas, paralisar um leve sorriso nos lábios e sentir aquele arrepio de emoção ao ler essas lindas escritas.

    Parabéns
    e obrigada por preencher um desses buracos negros do mundo com bondade e talento...

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  4. É gloria, a minha estória é só rascunho (risos).

    Bjos com ternura.

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  5. Um dia, espero ser protagonista.

    Deve ser mais emocionante, não é? Embora necessite de coragem.

    Beijo.

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  6. Numa barreira entre o real e o fictício.



    O ontem-hoje presente.

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  7. "Com pudor, foi retirando todas as vestes das palavras. Peça por peça. Tremulando em cada tentativa de toque. Estreitando-se ao ponto mínimo de distância entre vontade e linguagem."

    Glória,
    Abstraindo tudo o mais deste ótimo texto para pinçar este trecho que é, também, uma aula de literatura: tanto na forma (literariamente perfeita), quanto no conteúdo, que é de fato um toque precioso para quem quer trabalhar com as palavras. Ainda que talvez você não tivesse essa intenção.

    Beijos

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  8. Glória, que coisa mais linda! Um dos seus melhores textos. Te leio e me encontro. Você é a pessoa mais rica em palavras que já vi (e li!).


    MEU BEIJO, bonita!

    Fique bem, tá?

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  9. Eis um selo para você no meu blog. Grande beijo!

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  10. Adorei receber este selo, Glória!Vou colocá-lo agora no canto direito da blog. É só clicar nele e ele trará o internauta a seu cantinho mágico das palavras.

    Muito obrigadooo!

    Um beijãooooooo carinhoso! Te adorooo!

    Pedro Antônio - A TORRE MÁGICA - www.atorremagica.blogspot.com

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  11. ler as coisas que tu escreve é como recarregar as baterias
    tô mais forte agora pra enfrentar uma semana apressada
    um beijo

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  12. Glória,
    muito bom fazer parte dessa "estória de amor".
    Eu também tenho " urgência".
    De verdade. De literatura. De amor. De vida.
    Aqui encontro um pouco de alguma coisa.
    Você coloca vida e sensibilidade nos seus personagens .
    " Pergaminho de gentileza " . Ótimo!
    Boa semana.
    Bj

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  13. Urgentíssima.
    Até o dia que descobriu que assim o era. Desde então passou a compreeender sua falta de sono, sua falta de calma, sua falta de acento.
    Dali então começou a crer que papéis em branco lhe acalmariam e que seriam úteis. Ela já regia sua pequena sinfônia, não a dos papéis, a da vida. Sabia que o que deveria ser eterno era senão ela e tudo o que sentira por si e por aqueles que já a conquistavam a tempos.
    O imediato da sua vida tomou outro sentido, então. Foram as pressas que lhe ensinaram. Mas isto não é pra fazer iludir, ela não aprendeu ainda. Seu telhado já está aberto, mas ela não sabe o que fazer com ele quando voltar a chover.

    E assim vamos contando estórias...

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  14. "O amor fez germinar esse chão. Ela tem se sentido florescer."
    .
    .
    .
    Eu rascunho, achando bom começar a semana lendo palavras bonitas.
    Um beijo Glória!
    (:

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  15. Bom dia Gloria. Não li seu texto hoje. Passei pois queria v uma amiga q faz tempo q não tinha encontrado. Hoje é o primeiro dia do fim da minha vida. Decidi apagar essa dor do meu coração como se apaga as letras de um papel com uma borracha. Preciso só de mimo. E adoro seus mimos (risos).

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  16. Já completamente despudorada, a amante se fez completa, protegida pelas emoções exaradas em palavras. Perfeita simetria entre o prazer lascivo e o prazer literário. Beijo grande querida.

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  17. Ai, que essas palavras bonitas mecheram com as lembranças(recentes) todas!
    Um beijo!

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  18. Ótimo texto!

    p.s:Seus comentários são sempre inspirados, os melhores!

    Abraço!

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  19. Rascunhos....rascunhos...rascunhos....

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  20. Esse esboço - rascunho - é uma estória de amor inteira tecida com fios de seda de uma palavra cheia. Sim. sua palavra é cheia, plena. Nela o significante e significado se casam de forma a causar um estranhamento encantador. é escritura. quem conhece essas madrugadas, esse escapar sorrateiro dos braços do amado porque, entre o sono e a vigília, a escritura (sim, não a escrita) se impõe para dizer o segredo guardado., para tentar dar conta da distância entre a vontade e a linguagem.
    Parabéns pelo texto primoroso.
    Este seu "Linhas ao vento" é lugar de chegança, pés sob pés. E num passo que mal piso aqui vim e ficarei.
    Fantástico, Glória

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  21. Gló, sim, eu faço parte de um rascunho de amor, e isso me garante um lado bom e outro nem tanto..ehe, faz parte! adoreii esse seu texto e sempre gosto mto de suas visitas, cheias de conhecimento e carinho! um bjuuu grande e boa terça!
    ah, ele é terra e eu vento! ehehe

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  22. Glória,

    Que belo.
    Que terno...

    Amei !

    Beijo carinhoso,

    Solange

    http://eucaliptosnajanela.blogspot.com

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  23. Já me senti parte de tudo isso, mesmo antes do aviso.
    Tuas palavras são tão doces, parecem sempre carregar um vento bom, daqueles brisas que surgem quando todo o suor nos inunda, tomando aspectos de ventania.

    Você me parece uma pessoa linda, sempre tive vontade de conhecê-la. Quem sabe um dia.

    Abraço forte.

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  24. Linda história de amor.
    Delicioso ser parte rascunho.
    Só o que posso ser ultimamente.
    Aqui, agora, mais um recanto, refúgio da minha ausência de mim.
    Obrigada.
    Vou seguir-te.
    Marie

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  25. Que maravilhoso! Adorei teu blog.Te visitarei.
    Um abraço

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Ventanias