domingo, 22 de março de 2009

Náufragos

Juan Miró

Eu não soube dizer adeus. Você me buscava as mãos navegando um mar de delicadeza em meio à turbulência. Ausentei-me de um continente de nós dois ainda mergulhada em abraços. Teus pés se entrelaçavam aos meus debaixo dos lençóis, cada vez que os trovões rugiam céu afora. Lembro que você me laçava ensaiando gestos de salvação. As ondas eram tão altas meu bem e tão frágil a embarcação. Eu não sabia e nem sei nadar. Embora você me segredasse nós-dois-para-sempre, eu calculei o tempo. O medo é uma forma de distrair a razão. Fui arrastada pela correnteza sinuosa do temor da entrega. Você não fez respiração. Alguém ouviu falar dessa natureza das águas? Elas se aproximam sem fazer alarde. Uma nau sem asas nem velas me conduziu para longe de tua terra. Você me seguiu mar-adentro feito escafandrista na mira de um navio valioso naufragado em domínio incerto. Seu olhar vagou as profundezas e eu elemento ar flutuei superfícies. Fala a lenda que aportei. Hoje sou ilha e semeio silêncio em todos os dialetos. Isso não me remove a tolice típica dos sobreviventes. Ninguém pense que exibo troféus desse selvagem torrão de terra. Sou inexata ao falar de um amor que o mar trouxe feito dádiva e carregou. Não busque em meu olhar alguma forma de explicação. Pouco importa é o que resta a dizer quando tudo faz diferença. Aprendi a mentir acumulando verdades. Eu tenho provas cabais de que a tempestade pode ser uma forma de travessia. Longe da tua boca pude fundar uma nova língua. Ela emite sinais para viajantes de todas as partes. A luz do farol quando apaga, acendo coragem com fogo de lenha. Minha avó do vale do Jaguaribe me ensinou a retirar do mato os galhos mais combustíveis. Nem por isso me livro dos frios de tua ausência. Contento-me em plantar cada palmo do lugar. Tenho adubos que trazem sementes com vontade de brotar. Nem mesmo assim me livro dos desertos. Em teu mundo existe um dito capaz de fazer vicejar. Meu corpo não esquece, nem desiste. Na minha garganta estreitada ecoa socorro com gosto de criação. Eu grito terra me avista e do lado do abismo é lançado um bote salva-vidas. Perdão. Eu não tenho abraços que me façam ficar. Minha dor lança cordas a bombordo e teu nome a estibordo. Em que momento a tempestade te arrastou de volta aos musgos, pedras e gritos dos lugares ermos de mim? Eu nunca saberei dizer adeus. Entre meus dedos encontro fios de teus cabelos enroscados à minha solidão. Você náufrago de mim, eu de você. Navegará entre nós uma palavra de salvação?

27 comentários:

  1. Tenho certeza que sim. Tenho plena convicção de que no final tudo sempre dá certo.

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  2. Uau!

    Glorinha, eu tenho medo de água, rsr,de mar, apesar de amar o mar.
    Mas encontrando alguém que nos leve, assim, sem naufragar, dá até coragem de encarar. Depende mt de quem pega na nossa mao, né?? A gente precisa de um porto, na verdade, de seguranca, pelo menos eu sou assim.

    Menina, tu vai a Roma??? mas que coisa maravilhosa!! Olhe bichinha, vá e aproveite bastante, faca mts fotos viu? e mostra aqui pra nós, por favor! To já algum tempo querendo ir a Roma, o povo aqui fala que é uma cidade maravilhosa e cada lugar que se olha tem algo lindo pra se fotografar, está na minha lista de lugares pra ir, mas infelizmente, poxa, é mesmo longe daqui, senao nos encontrariamos naquela pracinha que vc falou :)

    mas tenho certeza que nao nos faltará oportunidades, viu??

    Um beijao e vai logo preparando a mala, uau, vc vai se divertir... a temperatura está super amena agora, nem frio nem calor... ahhh delicia!!!

    Super boa viagem é o que te desejo

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  3. Esse típico náufrago é, senão, uma doída mudança de sentimentos, de momentos e de coração. Assim como vc, jamais saberei dizer adeus, mas, por vezes, o adeus nos sai forçado, a contragosto, pois quem dita o caminho das águas é o mar e dele, ninguém pode prever o ritmo, o destino. Dói, dói a mudança que independe da nossa vontade, mas se faz necessário, afinal, nada na vida pode ser considerada permanente, a não ser a própria mudança de nós mesmos. Um beijo e uma feliz semana querida!

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  4. Oi Gloria, lindo tudo isso que você escreveu, realmente o mar é imprevisivel, mas dependendo de quem está ao nosso lado até da para encara-lo, com muito respeito, afinal de contas nunca sabesmo o tamanho da proxima onda não e mesmo. O meu blog é novo e assim como você também gosto de transmitir sentimentos na escrita, é encrivel a perfeição com que você faz isso. Parabens o seu blog é lindo.

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  5. " Eu nunca saberei dizer Adeus"
    é precisamos aprender a dizer essa palavra que tanto doí o coração quando é pra dizer a alguém que tanto amamos!!! belo o seu post

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  6. Gloria,
    de um olhar fundo que vaga no mar fez-se ilha de silêncio e afeto com farol.
    Daqui, da "cidade invisível", vemos os sinais. E a apalvra sempre chegará, um dia.
    querida, vc é tremenda!

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  7. Glória,

    Já dizia Pessoa que " Navegar é preciso/ viver não é preciso ."

    No ir e vir de nossos sonhos e amores perdidos, somos , muitas vezes," arrastados pela correnteza sinuosa do temor da entrega."
    E nos entregamos.Profundas. Inteiras. Vivemos o momento. O olhar incerto. O toque. O flerte. Um dia, do nada, descobrimos que é preciso dizer Adeus.
    E não sabemos, que sabemos, dizer Adeus.
    Mas desse NÃO saber, surge essa linda prosa poética. Recheada de sentimento, intensidade e verdade.
    Parabéns mais uma vez pela delicadeza das palavras !
    Ótima semana!

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  8. Nossa, você está cada vez mais encantadora na tua escrita.
    Uma escritora que arrebata a gente.
    Bj.

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  9. Só sei que continuarei a navegar por aqui... mar de um azul forte, que me faz bem.
    Abraço, Glória!

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  10. Concordo com Valeska, uma escritora de arrebatar, viu? Eu já perguntei para ela se havia algo que pudesse fazer, ela disse "não" (risos).

    Bjos com carinho menina Gloria.

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  11. Aloha!! Glória!!

    "Glória disse... em 20 de Março

    quem é vc. hod?'

    Sou um Homem simplesmente Simples, que comtempla e admira suas "Linhas ao Vento!"

    Para dizer adeus, percebi que precisava libertar-me do passado. Foi o que fiz.

    Abraços Glória!

    Aloha!!
    Hod

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  12. é inevitável, sempre tem alguém q chega e fica, mesmo tendo ido embora. rs
    beijos

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  13. Quanto se mergulha atrás de naufrágios,já dissemos adeus,ainda antes mesmo de imergimos, quando trocamos o oxigênio por um ar nitro, também já dissemos adeus, porque tudo que até então fizemos não era do nosso universo, logo,nos despedimos de nós proprio por outro.
    Mas sim é dicifil
    dizer 'A'DEUS
    o que não podemos mudar.

    Abraços

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  14. ..."Hoje sou ilha e semeio silêncio em todos os dialetos."...
    Belo, belíssimo texto.
    Beijo

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  15. Gostei muito do teu texto.
    Tudo a que dissemos "adeus" permanece um pouco em nós. Senão, jamais o teríamos dito.

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  16. Me gustó tu texto...es inevitable decir Adios, forma parte de la vida, no?
    Somos tránsito..y la nave va

    Besito

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  17. "Hoje sou ilha e semeio silêncio em todos os dialetos."
    Compreendo, me identifico e de certa forma me comprazo perversamente em compartilhar a mesma dor. É o prazer humano de não sentir-se tão só. Náufrafa, eu também nunca soube dizer adeus.
    beijos carinhosos
    Rossana

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  18. vamos lá de novo (que o blogger não não vai muito com a minha cara)

    eu, como tu, não saberei nunca dizer adeus. e a mim me dizem por vídeo-posts-blogger. uri.

    eu nunca saberei dizer adeus, mas às vezes me é fácil aos que amo profundamente
    : um zelo pelos que me amam,
    erros com quem amo.
    nunca sei que fazer,
    só sei não dizer adeus...

    no mais, seu texto é ótimo e eu amo miró. vizinha de fortalezas-belas :)

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  19. Glória obrigada pela visita. Adorei teu blog, tuas palavras realmente nos toca. Honestamente, quase pude ouvir a tua voz narrando teus sentimentos agarrados à cada palavra... Parabéns, volto em breve.
    Ariel

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  20. A salvação sempre existirá.

    Basta ter olhos para vê-la, coração para senti-la e fôlego para alcançá-la.

    Beijo.

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  21. Continuemos navegando. Sempre.
    Beijo! :)

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  22. Olá Glória. Como sempre, sua qualidade poética está altíssima. Nesse texto em específico, senti uma certa metria escondida por baixo da suposta prosa. Sim: porque sua prosa só é prosa porque não é tecnicamente dividida em versos, ainda que cada frase, dependendo do ponto de vista, possa ser tida como um verso. Mesmo quando você fala da dor, de um sentimento de perda, sempre existe algo de mar que faz com que você seja além, muito embora eu ande seco há alguns dias, o que quem sabe contamine meu comentário ao enésimo grau. Não que não tenha tentado construir vogais com minhas consoantes. Ao contrário disso, descobri uma Mesopotâmia dentro de mim. Entretanto, essa Mesopotâmia, assim como a palavra incerta que se enrosca nos dedos da sua solidão, contém alguns caracteres que não consigo decifrar, o que me angustia muito. Talvez seja hora de sentar em uma pedra e retomar o fôlego. Talvez literatura, aliás, nem seja questão de fôlego, mas sim de permanência na superfície e no reconhecimento da superfície. Contudo, dentre tantas possibilidades de ser nau, o que deve incucar em mim esse sentimento confuso deve ser justamente o fato de ser como você: ter me tornado ilha com os corais do passado presos entre minhas mãos, ainda que seja através desses mesmos corais que eu tenha a capacidade para ler esses sinais estranhos dessa Mesopotâmia em mim que acabo de descobrir. E como não creio em jardins, mais me valem os campos imensos e sem fim. Pelo menos neles me sei cartesiano. Pelo menos neles me sei finito, ainda que corra o risco de uma tempestade se debruçar no canto do meu pescoço e sussurrar qualquer canto de sereia e inundação. Quem é ela? Uma desconfiança me assola. E eu sei que seus saltos são altos. Um beijo.

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  23. O convite é feito: entrar mar adentro. Atemorizado pela força e pelo temperamento das águas, mas seduzido pelo canto das sereias, com a promessa de uma mão para se agarrar. Uma mão guia, que guia para onde o mar é mais bonito [o que não significica que seja onde ele é mais seguro].
    Sua escrita me atordoa um pouco. Por vezes, parece que não foi feita para o leitor, mas por ele.

    ass: anônimo

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  24. Olá Glória,
    vou me encantando com as suas palavras, tão bonitas que às vezes dói...

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  25. WoW!!!
    Meu Deus mulher, que coisa mais linda!
    Valeu voltar para encontrar isso.

    Já eu ando assim, fugindo de mim.
    Agarro um livro e percorro outras histórias. Vidas longe.
    Obrigada
    Grande beijo
    Marie

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Ventanias