sábado, 12 de setembro de 2009

Rita e Sofia - metamorfoses de setembro

Frida Kahlo


Era setembro. De um tempo que foge por entre os dedos. Lá fora, o galo teima em cantar um dia que nunca amanhece. Um nome é um código de decifração. Ela decidira alterar o de batismo. Rita é graça de mulher que carrega tormenta. Apenas a de Chico leva sorriso e um bom disco de Noel. Tinha a mãe que escolher logo esse nome de santa. Ter nascido no dia 23 de maio poderia ter resultado em salvação. Um nome leva um tempo para ser inscrito. Precisava tatear um tanto da sombra, daquele outro nome que permanece nas entrelinhas da certidão. Sofia. Um chamamento que susurra. Deve existir um véu capaz de encobrir o nome da mulher. Foi dessa forma que ela vestiu, pela primeira vez, aquele tubinho cor de carmin. Havia três anos que ele esperava no armário. Vermelho é uma cor que não combina com vergonha. Rita compunha sua personalidade discreta com um cinza sobre bege, algumas vezes tendendo para o grafiti. Sexo é uma conversa que demanda arco-íris, aquarela pronta para se derramar. Foi Sofia quem percebeu a eterna indecisão de Rita. Uma mulher acompanha bem as rasuras da outra. Se não fosse ela, jamais teria sido marcado o encontro com o desconhecido. Ele parecia uma graçinha na web cam. Uma barba rala, um olhar de gente malina, de boa mira. Na tela, ela tinha os lábios pintados de vermelho e o lápis deleineando os inexatos verdes de seus olhos. Obviamente, desde o início, ela se apresentou com o nome de Sofia. Imagina se o clima teria subido tanto a temperatura se falasse: meu nome é Rita, quase como quem pede perdão! Sofia desceu as escadas em disparada. Se faltasse luz, ela não ficaria retida no elevador. Além disso, os vizinhos não sabem que o limiar é o lugar do desejo e ele não tem nome. Chegou antes da hora no Café Damasco. Sentou na mesa ao lado de uma tela de Frida Kahlo. E contemplou. Duas mulheres plantadas e nuas. Entrelaçadas à condição de fêmea, de relva, de mata selvagem. Ganhou, repentinamente, uma imprecisa convicção. Foi quando um homem atravessou a porta do café e indagou: é você Sofia. Ela, sem titubear, respondeu: não, meu nome é Rita. Um rasgo do sorriso de sofia, lhe tangia o canto dos lábios. Um homem , que pulsa, sabe que pouco importa como se chama uma mulher. Ele tateia e encontra nomes próprios e impróprios. Deitados, nessa tela primaveral de setembro.

19 comentários:

  1. oiiiiiii...
    não conhecia aqui ue, que pecado, rs.
    adorei!
    um bjo flor!!! ^^

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  2. que cores fortes, glória. e eu sou doida pela frida. veja:

    http://mariaclara-simplesmentepoesia.blogspot.com/2009/09/postagem-simplesmente-poesia-11.html

    sua lírica tá toda prosa, mulher. toda rita é de cássia. e toda mulher tem seus meandros de sofia, resoluta..

    muito bom :)
    um beijo

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  3. Glória,

    Pode contar comigo no projeto poético. Adorei.

    Beijo grande. =)

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  4. E setembro chegou....
    Com ele, a primavera. As flores.
    Quantas Ritas e Sofias existem dentro de nós ?
    Eu prefiro ser essa " metamorfose ambulante"....melhor ainda é encontrar o amor no meio de nomes " próprios e impróprios."
    Adoro a sutileza das suas letras.
    Beijo grande !

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  5. Amada Glória,
    Conhecedora das sutilezas do humano!!!
    E da poesia que sustenta nosso caminho.
    Lindo ser metamorfoseante tu és.
    Bj tb cheio de saudade.

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  6. adorei o post!
    se possivel...entra no meu blog e da uma olhada...nele eu e mais um amigo postamos sobre o dia a dia, sobre contos e escrevemos alguns artigos de opinião!

    http://aretwobrothers.blogspot.com/

    ;] obrigado

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  7. Olha só que interessante, se eu tivesse lido antes teria inventado outro nome na net, Nina soa tao menininha :(

    Como eu me chamaria??
    Esse negócio de nome é coisa seria mesmo, viu Glória? Penso penso e só consigo pensar no meu nome mesmo,nasci pra ele e ele pra mim :)
    Glória mulher vc tá cada dia mais espetacular na escrita, AMO!

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  8. Glória,lindo este texto, maravilhoso mesmo, gostaria de postá-lo no meu blog, me permite?
    beijos

    artur gomes
    http://goytacity.blogspot.com

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  9. Glória,
    teu belo texto já está lá
    grande beijo
    artur gomes
    http://goytacity.blogpsot.com

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  10. Maravilhosa prosa-poética. De fato, seu lirismo é abrasador. Envolve o leitor. Quase voei em suas palavras.

    Parabéns, poetisa!

    Grande abraço.

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  11. imagem e palavra dançando no mesmo compasso. casa que irradia a boa palavra. me tornando sócio do clube.

    continuemos, Glória.

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  12. é que sempre que venho aqui, leio coisas assim: tão bonitas! =*

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  13. Oi Glória,tudo bem?! Penso que todo dom é algo único. Por mais que existam poetas, escritores,artistas, cada um traz sua marca. Gosto muito do modo como escreves. Abraços.

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  14. Há uma Rita e uma Sofia dentro de nós... e as duas esperam por este homem que nos chama por nomes próprios e impróprios...

    Você é divinamente fantástica com as palavras.

    Leio.
    Releio.
    Admiro.
    Guardo.

    Incrível.

    beijo no coração Glória....

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  15. Saindo do medo e vestindo vermelho nos lábios e na pele, pode-se encontrar aquele homem que só quer pulsar. Mulheres podem simplesmente pulsar?
    Não.
    Elas devem, se quiserem, fazer mais do que isso. ELas têm que doer, vestir todas as cores (num só dia o vermelho e nos outros o colorido), pintar. Mas o que não se pode, é deixar esquecer que pulsar é para veias e sangue.

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  16. Glória, que emoção ler suas letras! Cada dia mais coloridas, matizam a minha vida! De verdade!

    Beijão!

    Daniel

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  17. Ah, Glória...
    Que delícia!!!

    De fato, o nome não credencia. É quase um código de barras.

    O convite é feito pelo olhar. E o tato, o contato, é o inevitável pós-fria-tela.

    Amei, só pra variar...

    Beijo meu, querida!

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Ventanias