quinta-feira, 6 de novembro de 2008

auto-retrato


Eu não tenho perfil. Desde bem pequena me pergunto onde fiquei, onde nasci, onde houve registro de alguma glória.Sei que desde sempre tomo na mão pequenas coisas como cobras de duas cabeças, caixas de fósforos que funcionam como telefones perfurados com barbantes e miniaturas de todos os tipos.Fui talhada para subir em árvores e quase nunca saber como descer.Fui fadada a ler a histórias de santos e santas que assim se tornaram por resistirem. E nunca gostei de freiras. Rezava, rezava muito para os heróis das estórias conseguirem vencer os monstros, desvendarem os enigmas e, finalmente, serem premiados com o mais singelo dos amores. Gosto de gente que alcança lugares ermos, topos de montanhas, corações de florestas, fundos de cacimbas. E voltam para contar e atiçar o desejo de ir.Por achar que flutuava e voava interligando chão e teto, eu me perdia nos espaços do meu quarto. Quase sempre me desligava e via o mundo rodar. E se eu tivesse adentrado o “túnel do tempo”?Fazia das músicas trilhas sonoras de aventuras vãs.Descobri muito cedo onde fica o prazer e ele se espalhou por lugares que ainda nem conhecia. Eu nem me reservei e muito menos precisei ir ao Fantástico.Uma palavra em falso, um dedo em riste, a dor de um outro estampada na minha cara, um desalento, faziam rolar lágrimas com prenuncio de inundação.Sou fértil, tão, tão que quando o homem, segundo a minha avó, pegava no punho da rede já havia risco de procriação. Filhos de todos os jeitos. Amamentar segurando os dedinhos, agradecida por ser fonte que nutre um e outro. Tenho inveja das cumade na beira dos açudes lavando roupas e quarando a vida. Quando crescer, quero ser uma mulher que apenas pressente, sem as desmesuras daquilo que chamam sentimentos. Roupas entre as pernas, sabão que lava na pedra aquilo que demanda ir, o sol e varal. Melhor assim. O cheiro do feijão adornando a espera e o homem de peito ao vento enroscado no silêncio.Lá fora, o cheiro dos guaxinins, as cantigas de grilo e uma ausência do tempo. Um lugar ermo de palavras e eu plantada, bem no meio.

4 comentários:

  1. você me tocou muito com esse texto.
    juro!!!
    incrível como, quando vc escreve, as palavras fluem de uma forma suave e dançante.
    acho que já te disse isso.
    beijos

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  2. Sabe Glória ler seu perfil não perfil me envolveu e me embalou no encanto das suas palavras...
    Sua fertilidade nos torna fertil também, com vontade intensa de ser mãe de novo e melhor ainda de ser embalada e fertilizada mil vezes.
    Voce é uma mulher eternamente grávida, dessas que basta sacudir e miriades de sons, tons e jeitos de ser pipocam como luzes de uma pirotecnia.

    Beijos amiga linda que a vida nos proporcione muitos e muitos jeitos de nos encontrarmos pelos atalhos e veredas da vida.

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  3. Glória desde sempre uma menina encantada! Podeira pertencer a um daqueles contos sobre os povos mágicos que conheciam a sabedoria dos elementos! Hoje sua alquimia é de palavras e ela prepara sua poções: nós bebemos!

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  4. Nossa, prima, demais seu blog!! Só vc mesmo pra ainda encontrar tempo para nos presentear com seus versos e sua prosa, que refletem a dimensão do seu ser, a profundidade de ser Glória!! A simplicidade e a complexidade... o interlaçado de idéias e sentimentos que só mesmo alguém como vc! Vc é vida, prima! E fonte de inspiração constante... Obrigada por existir e "se compartilhar" conosco. Bjão.

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Ventanias