terça-feira, 11 de novembro de 2008

Contigo Aprendi




Escrever uma história ouvindo todas as idades que tenho,
Contar história para todas as idades que temos.


Eu tinha apenas três anos quando ele nasceu. De tão branquelo foi apelidado de arroz doce. É bem verdade, eu queria uma irmã. Pensando bem, eu queria uma amiga para brincar de boneca, jogar pedras, pular macaca e chorar comigo assistindo a sessão dominical de Mercelino pão e vinho. Pensei então que ele poderia vir a ser um boneco de mais verdade. Poderia substituir o seboso, o único homem no harém das bonecas. Seboso, obviamente esse nome fora dado pela minha mãe, pelo olhar do outro. Ele era o mais velho da cidade dos bonecos e foi ficando meio desbotado, com uns sujinhos grudados nas pontas dos dedos e uma mancha, quase que uma raspa na perna esquerda. Não sei muito bem porque, mas a nudez era a condição corporal de seboso.
Foi quando nasceu o Paulo. A diferença é que meu irmão chorava, calava, ria estranhamente e não me respondia nada, nunca. Já o Seboso, principalmente quando ia dormir e se aproximava aquela hora da aparição dos fantasmas, dizia de mim e do mundo. Eu deitava de um lado, para reparar nas almas que vinham na mira de meu olho fechado e, seboso, ficava olhando o meu outro lado, o escuro, o abismo. Um certo dia, uma voz adentrou o silencioso diálogo entre mim e seboso. Meu irmão falava também. Era um final de tarde. Na radiadora, tocava Contigo Aprendi na voz de Altemar Dutra. Peguei Paulo pela mão e atravessei as cadeiras que pontilhavam o entardecer na calçada. Quando a noite chegou, como num ritual sagrado, naquele dia, amarrei em nossos punhos um telefone sem fio. Uma caixa de fósforos, um cordão que aproveitei das compras chegadas da mercearia, um fio de comunicação. Atrás de mim, não havia mais seboso. Apenas a infinita certeza do escuro, do sem fim e da tênue linha que parece unir afetos, dose possível de remédio para a alma. Durante toda vida um fio invisível nos entrelaça, nos comove. Contigo aprendi que existe luz nas noites mais escuras. Bom dia, Paulo.

Para Paulo Diógenes


2 comentários:

  1. que texto lindo,Glória!
    emocionante.
    deve ser bom ter irmãos.
    também deve ser bom pra uma mãe ter mais de um filho, pois minha mãe ontem disse assim,ó: "se eu pudesse, teria parido seis filhos. O problema de ter filho único é que eles ficam assim, voluntariosos que nem essa menina!" Tu acha? rsrsrs
    se eu fosse sua irmã e recebesse uma carta dessa eu ia chorar que só. de alegria.
    beijos

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  2. fiquei emocionado!!!!!!!!!!!!!!!!!
    so nos dois é que sabemos o quanto nos queremos bem,te amo muito, você sabe disso.

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Ventanias