domingo, 18 de janeiro de 2009

Em nossas mãos

Auguste Rodin

Eu me deitei em tuas mãos. Cada dedo seu enlaça uma ponta do meu desassossego e fico. Embora a minha condição seja a de seguir o vento norte em mudanças de estação. Ele, esse vento que assobia, assopra a sola dos meus pés e ativa a saga dos andarilhos. Nem ligo para os descrentes e desprovidos de visão. Já disse, eu não sou de um lugar, desdobro-me. As minhas mãos têm asas. Atravesso os campos que me habitam e te vejo ao meu lado. Posso me esconder e inexistir na minha própria casa. Nenhum mistério ou metáfora. É que o lugar em que moro tem um alçapão. Um espaço do tamanho do meu protegido por uma escada de madeira movediça. Os meus porões adormecem aos meus pés. Daqui de cima vejo Fortaleza por todos os lados. Ela flutua diante dos meus olhos pacientes, desenhada em ilhas de indiferença e medo. Com o olhar voltado aos céus já vislumbrei incontáveis estrelas cadentes e um São Jorge todo pomposo reinando na noite de lua cheia. Sou desses cantos e de tantos outros que me atravessam. As delicadezas do homem que me habita conduzem-me para perto de mim. Ali me enxergo espalmada na Mão de Deus, nessa ambivalência de ir e ficar. Permaneço em cada lugar em que me abrigas e me deixas livre. Foi exatamente isso que Rodin tentou plasmar em sua obra: a mão concreta, física do escultor e o ato divino da criação. Fundidos e materializados. Podemos estar em todos os lugares. Permaneceremos. O momento seguinte vai ser sempre a vontade do beijo e do teu corpo sobre o meu corpo. Mesmo que o vento me faça cócegas, você me tomará nos braços e dirá: se aquieta mulher! E eu viajarei nas tuas mãos.

3 comentários:

  1. E tuas linhas gravam na folha o momento da tua criação, como o escultor nos traços da escultura molda sua própria assinatura.

    Abraço,

    R.Vinicius

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  2. Sabe, Glória, teus textos sempre me arrebatam. Posso voar, posso mergulhar em águas profundas e vivo o que tuas palavras me falam. Abstraio e vivo o teu mundo em mim. É muito especial.
    Bj.

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