Dez minutos foram suficientes. Esse absurdo cálculo dos instantes que não constam nas horas. Ela olhou o relógio assim que entrou na estação. O próximo trem logo apitaria e anunciaria redenção. Sair de um lugar leva tempo. Marília antevia o alvoroço dos dias. Ela não arredaria. Nem a alcunha de louca da torre, nem as janelas fechadas com sua passagem a conduziriam para longe da paisagem. O amor é o risível do medo. Quando Antônio se foi, carregou consigo a poesia que cada dia batia à porta da mulher amada. A hora era aguardada. Marília se enfeitava, banhava-se com água de colônia, escovava os longos cabelos e acendia o olhar. Muitos seriam capazes de jurar que havia uma alquimia nos versos que recebia. Ela entreabria o papel, suavemente, passava a língua na resina do envelope dobrado e mastigava letras amorosas em pratos fartos de lira. Mulher quando se sente amada risca sorriso sem motivo nos lábios. Quem acompanhava o farfalhar de suas longas saias subindo ladeiras, podia pressentir o amor que lhe subia às faces. Ela era farta. Ninguém ousaria apontar a loucura que já se instalava, sorrateira, nesse diálogo inexistente. Apenas Antônio fala. Como uma mulher suporta a ausência de um amor que se cala? Loucura deve ser um deserto de palavras de rumo certo restando apenas fragmentos de poesia. Marília soltou os cabelos, deixou o olhar vagar para além da Vila e se vestiu com túnicas soltas ao vento. Seu homem partiu em um barco à vela mesmo sendo eternamente dela. O tempo é tão mensurável quanto o curso de um rio. No alto da estação, letreiros marrons, em alto-relevo indicavam o destino do viajante – Mariana. Ele pularia do trem, tomaria as mãos da mulher já tão cansadas de apertar dedo por dedo e as conduziria até seus lábios quentes. Dez minutos podem unir continentes, mesmo que um trilho imaginário atravesse oceanos. Ela desfez a trança que entremeava os cabelos dourados, deitou-se no banco de madeira ao lado do trilho e fechou os olhos. A Maria-Fumaça estava exaltada naquele dia, fazendo mais alarido que o baticum do coração de Marília. O trem parou e ela continuou deitada por sobre o banco, derramando todo o tempo de espera e de fome. Desespero é palavra que se usa quando nenhum sentimento resolve. Passaram-se um, dois, três, dez minutos e ele não a conduziu de volta à sua encantada lira. Antônio cruzou a África e nunca mais voltou. Dizem que casou com a filha de um mercador de escravos. Pouco importa. Ela continua viva e sem nenhum sinal de onde espera, de onde mora. Os poemas de Antônio vagam por todas as bocas. Marília permanece nos refrões que compõem cada lira de Dirceu. Ela, nunca mais soube dela. Seria isso que chamam de loucura, essa morte em versos?
Para Marília de Tomás Antônio Gonzaga e para todas as mulheres que tiveram seus versos partidos
"Ela era farta", linda imagem, de uma mulher quando é amada.
ResponderExcluirGostei muito do seu blog,
volto
Impressionante como viajamos no seu relato. Imagens e poesia a cada linha ao vento da leitura. Fui a Minas com você, através de seu diário no Twitter. Volto a Minas com a prosa de Dirceu por Marília.
ResponderExcluirEla nunca mais soube de mim.
ResponderExcluirAcho que eu nunca mais soube dela também.
Só o tempo...
Só a saudade...
Perdir meu amor.
Perdir minha Marilia no cais do porto.
Bjos menina.
Perfeito.Bela homenagem.E Minas é realmente um lugar mágico(sem lugares comuns).Pedro Nava dizia que Ouro Preto ear cheia de 'fantasmas'.Ás vezes fico imaginando Dorotéia indo à missa.Tantos lugares em Ouro Preto são tipo-"Tomás se sentava nesse banco,Dorotéia andava por essa rua.È mesmo a história viva.
ResponderExcluirParabéns e um grande abraço.
Gloria, o teu texto é tão lindo e tão perfeito para meu momento, que me fez chorar, emocionada...
ResponderExcluirBeijo, querida e talentosa poeta em prosa!
E vamos todos nos perdendo por aí. Amores que dão a vida. Que são a vida. Que nos tornam felizes. Amores mesquinhos. Amores que partem e deixam na saudade um gosto de quero mais. Assim como o seu texto, Glória.
ResponderExcluirAdorei : "O amor é o risível do medo".
Saudades daqui. Pena que seu tempo diminuiu...O mais importante, é que não parte de vez, como Dirceu. Você volta , vez ou outra, para nos encantar com seus textos.
Um grande beijo !
Ler vocé é um celeste toque
ResponderExcluirna minha alma.
Viajamos juntas pra Minas em pensamento
e olhares!
e espero que sempre!
Um bjo flor!
Pra que precisamols de máquinas do tempo, se os verdadeieros escritores e poetas conseguem nos levar junto com sua narrativa e versos? Ler esse texto foi algo fantástico, que me teletransportou aos tempos de Marília de Dirceu, dessa feita, sob o ângulo de Dirceu de Marília. Uma maravilha de composição, caríssima Glória.
ResponderExcluirComo Goethe dizia, a história viva encontra-se nas pedras, em cada coisa, em seu tmepo e espaço preservadas, ou algo assim.
Parabéns, sua escrita é de luz...
Brava! Acredito que Marília não precisa de Dirceu para sua felicidade mas, mulher, como você escreve bem! Deliciado!
ResponderExcluir..."Como uma mulher suporta a ausência de um amor que se cala?
ResponderExcluirLoucura deve ser um deserto de palavras de rumo certo restando apenas fragmentos de poesia"...
Glórioa,
Destaquei o trecho que mais emocionou-me. Suas escritas são tão intensas que todo comentário faz-se desnecessário...
Você é demais.
bjs
Rossana
então é pra mim também. eu mais uma das marílias.
ResponderExcluire sabe que, dizem, a marília era AS mesmo. era um danado o tomás.. rsrsrs... imagina o estrago que nao deve ter feito em degredo.. rsrsrs...
um beijo.
Glória,
ResponderExcluir- Em teu nome esconde-se algo que a ti tem destino dentro das palavras. Sinto que minha ausência em seus aposentos deixou-me certamente menos, tornei-me um homem que perdeu, muito perdeu, embora tenha ganhado também. Perdi nesse tempo de lê-la, de aprender com tua literatura a amadurecer como escritor – que acaso um dia eu seja. Venho nesse encontro de palavras visitá-la e contemplar tuas belas linhas, que versos feitos em prosa não hão de partir e se partir. Tem algo em tua prosa que me lembrou Drummond. Noto que muito perdi com a ausência, e é certo que o tempo não se toma de volta, contudo, reinvento o tempo para lê-la com muito agrado.
Abraço.
Glória,
ResponderExcluirO seu texto é tão maravilhoso que preferi, às minhas palavras, trazer as de Cecília Meireles:
Romance LXXXV ou
DO TESTAMENTO DE MARÍLIA
Triste pena, triste pena
-- que pelo papel deslizas!
-- que cartas não escrevestes
-- que versos não improvisas
-- que entre cifras te debates
e em cifras te imortalizas ...
Ai, fortunas, ai, fortunas ...
Doblas, oitavas, cruzados,
vastos dinheiros antigos,
pelas paredes guardados,
prêmio de tantos traidores,
dor de tantos condenados!
Escreve Marília,
escreve seu pequeno testamento;
na verdade, por que vive,
se a morte é o seu alimento?
se para a morte caminha,
na sege do tempo lento?
Cortesias, cortesias
de quem diz adeus ao mundo:
breves lembranças; presentes
amáveis, de moribundo.
Que sais vós, ouro das Minas,
no oceano de Deus, tão fundo?
Reparti-vos, reparti-vos,
ouro de tantas cobiças ...
(Tanto amor que separastes,
entre injúrias e injustiças!
E agora aqui sais contado
para a piedade das missas!)
Triste pena, triste pena ...
Triste Marília, que escreve.
Tão longa idade sofrida,
para uma vida tão breve.
Muitas missas ...
Muitas missas ...
(Que a terra lhe seja leve.)
Ótimo fim de semana.
Beijos
"Como uma mulher suporta a ausência de um amor que se cala?"
ResponderExcluirNão sei. Quem se atreve a me dizer? Nada grita mais que o silêncio estridente, nada preenche mais que o vazio. Não há mais espaço pra nada. Essa espera que parece tomar conta dos dias, que se confundem com um horizonte cada vez mais distante a cada passo dado.
Entendo Marília e as diversas mortes que povoam sua vida... As mãos atadas e a boca calada... "Desespero é palavra que se usa quando nenhum sentimento resolve."
Sentir o quê?
O desespero perde, pois, o patamar de 'abstrato' e passa a ser companhia material.
É... da pra ver a Marília daqui...
Perfeito como sempre, mulher! Adorei!
Beijão!!!
menina! que linda maneira de ver a Marilia...
ResponderExcluirGlória, eu gosto tanto de Ouro Preto... vc ja esteve lá?? Aquelas ruas, as casas, antigas, as montanhas,o friozinho quase sempre presente, a neblina, tudo parece lembrar o tempo de Marilia e Dirceu. As sacadas parecem ainda ter sua presenca por ali. Se vc nao conhece Ouro Preto, por favor, vá qd puder! vc vai voltar cheia de inspiracao...
Somos as emoções de amor que vc sabe bem as traduzir!
ResponderExcluirBeijos, ausentes, mas com saudades.
Claro que eu vi o seu sorriso, Glória! Ele iluminou tudo! Tudo mesmo! :)
ResponderExcluirSaudade de você!
Beijãooo.
Pedro Antônio
Glória. Tempo que não voejo por aqui. Bem. Continuas escrevendo belamente. Sua escrita é brilhante por me silenciar e quebrar toda geleira em meu ser.
ResponderExcluirAbraços e paz
Priscila Cáliga
glória:
ResponderExcluircheguei aqui a partir de um link no nassif.
sobre o gonzaga, mantenho uma implicância com ele.
romério
Amei o seu blogue. Textos perfeitos. Que seduzem logo à primeira linha. Já nem me lembro por qual (bendito) caminho aqui cheguei... Bom demais encontrar alguém que escreve como você numa das inúmeras esquinas da rede. Não tenho muito tempo para visitar, por conta do trabalho e dos afazeres domésticos, então, vou segui-la para poder continuar lendo lá no Reader.
ResponderExcluirBjs e inté!
Hj é Dia
ResponderExcluirum bom dia.
sob lua cheia
um grande abraço em vc.
kokohmahá
o amor que esta longe é
ResponderExcluirdorido e perfeito.
dele é o infinito.
de dor de amor.
...traigo
ResponderExcluirsangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...
desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ
TE SIGO TU BLOG
CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...
AFECTUOSAMENTE:
LINHAS AO VENTO
DESEANDOOS UNAS FIESTAS ENTRAÑABLES OS DESEO FELIZ AÑO NUEVO 2010 Y ESPERO OS AGRADE EL POST POETIZADO DE LA CONQUISTA DE AMERICA CRISOL Y EL DE CREPUSCULO.
José
ramón...