segunda-feira, 20 de abril de 2009

Desarnada


Eu sou banhada por pressentimentos. Trago no cabelo uma marca de antecipação do tempo e uma mancha escura desenhada no ventre. Vejo um tanto de coisas que vagueiam superfícies. Nasci sob o signo dos ventos. Mesmo quando o corpo ocupava lugares de ficar, movia-me sob possibilidades. Habitava esse interregno, esse lugar de passagem, entre o ponto e o infinito. Por isso, meu corpo tantas vezes buscou espaços apertados entre portas e paredes, lugares velados entre cortinas, esconderijos vedados da vontade de partir.


Minha natureza é andarilha. Se você olhar demorado, verá entre minhas unhas um tanto de barro e argila, pequenas serragens de madeira e estilhaços de pedras. Precisei fundar um torrão de terra, até ter lugar para voar e retornar. Como disse, sou atravessada por sentimentos. Tenho um olhar deslocado das imagens fixas, dos atravessamentos que margeiam o leito visível dos rios.


Minha atenção é movida por correntezas. Por isso, tantas vezes me assustei com a beleza e a grandeza dos espaços sem cancelas, sem limites para minhas pernas. Eu precisei criar minhas próprias paredes, um telhado com clarabóia e vista para o céu. O vento assobia nos meus ouvidos para que eu não deixe asas presas em cadeiras e birôs. Conservo passagens secretas, roupas leves e um vento veloz aqui dentro. Eu me salvo entre brechas. Cada letra é uma pena delicada e única. Eu me apego a palavras que não existem. Todos dizem que sou muito, muito desarnada. E sou. Ainda assim, se sentirem minha ausência, olhem por detrás das portas, vasculhem sombras e casulos. A menina vadia e avoante que me habita, às vezes, sente partida a linha da pipa. Quando isso acontecer, apenas sinalizem pedaços amorosos de chão. Ela aportará de asas abertas. Dentro dos seus olhos uma vasta floresta e um punhado de vaga-lumes. Pequenos vestígios de pressentimentos.

25 comentários:

  1. Glória é fantástica a sua escrita. O seu texto, que prende a atenção, que leva pelo imaginário, que me vi na andarilha...nossa, adoro, adoro...

    beijos

    ResponderExcluir
  2. Oie linda Mulher, amei seu comentário e este trecho como um imã em meu íntimo; "Cada letra é uma pena delicada e única. Eu me apego a palavras que não existem".

    Pra mim... Há detalhes numa pena delicada, traz o impossível, que seria o improvável só para me colocar de cara no pó. Para assim, não me esquecer das entrelinhas que move o coração. Então, me apego, transpiro este que não existe para que possa assim, existir; convido-o entrar porque necessito, como é fundamental o lugar para começar.
    Pensava e trilhava a mera mortal, que dançava, quando se deu conta que ele que me dança.
    Ele que me dança, senti em mim e faz nutrir como se tivesse nascido naquele instante, aberto os olhos pela primeira vez.

    "E que doçura que não se prova se transfigura noutra doçura muito mais pura e muito mais nova" Miguel Forga

    Beijos mil querida.

    Priscila Cáliga

    ResponderExcluir
  3. Glória é fantástica sua escrita (2)

    Impressionante, chega a arrepiar de tao bonita...

    NUNCA! NUNCA mesmo, pare de escrever, viu mocinha?!!

    ResponderExcluir
  4. Eu pressinto que um dia vc ainda vai lançar um livro, e vai ser um sucesso!!
    Como vc escreve bem, Glória!
    Parabéns pelo belo texto!!
    Bjo grande e bom feriado!

    ResponderExcluir
  5. Vc é uma mulher se sentimentos e pressentimentos e, ainda, de inquietude. Ânsia de movimento, ânsia de mundo. Lindo seu estar-em-todo-lugar!! Beijos querida! PS: minha frequencia está fraca, mas estou sem net ainda devido a minha mudança! =)

    ResponderExcluir
  6. Bom dia pessoa linda e enigmática!

    Em dias de vento,
    Seria ela primavera
    Então seria libra,
    Que carrega desenho
    No ventre manchas Vênus.
    E quando sai de pontos ao infinito
    Caminha pelo equilibriu libra.
    Mas vento também é ar
    E ar também é gêmeo,
    Que é transportada de
    Vento veloz,
    Para que suas asas
    Nunca fiquem presas.
    Não importa qual
    É seu tempo signo,
    Basta escuta-la
    Para saber que é uma
    Linda libélula.

    Bjs Gloria.

    ResponderExcluir
  7. Eu, assim como você, também criei minhas próprias paredes, e tenho a palavra como salvação.
    (desarnada? por que?)
    Sobre sua pergunta no comentário: Click é um filme, sim.
    Abração, Glória!

    ResponderExcluir
  8. Glória, Glória
    é de vento!
    Sou de água e vento. Não tenho tera, nem fogo. Mesmo assim seria incapaz de escrever tão desarmada toda essa leveza de mulher que traz a lua marcada no ventre (eu sei que é mancha escura, mas li lua!)
    Eu gosto tanto do seu texto, Glória. Neles encontro uns dez poemas.

    ResponderExcluir
  9. No interregno de minha bisbilhotice parei e degustei este seu escrito. Texto no qual me perdi, tentando encontrar-te, uma andarilha, que gosta de ficar; se apossar, do desejo que nós leitores temos, de dominar as palavras, e expreções, escritas para tocar nossas sensações. Mas quebrando a regra, neste seu amontoado de conhecimentos, o cabresto escapou das mãos, deixando-nos cavalgar por suas lindas emoções, sem saber a direção que nos levaria a este espelho de sua paixão....

    Amei o seu jeito de escrever...

    ResponderExcluir
  10. ô Glória! texto lindo e forte, como sempre. sou sim a aline amiga da bia. (mas faz um tempinho que não tenho notícias dela. =/ tinha mais contato quando ela frequentava o msm centro espírita que eu.)

    um beijo pra ti mulher de força!
    :)

    ResponderExcluir
  11. Ela um vôo...sempre soube disso. Vê-la se descrevendo é bem confirmador...

    Ter vento forte batendo dentro do peito só vai te levar pra algum canto menina: para as nuvens e não saia de lá. Não é necessário, a menos que queira sofrer em conjunto, de lado com o chão, temendo a queda e a compaixão. Seu lugar é muito bem o das alturas [volta e meia repito isto, deve ser pq estas linhas são dedicadas ao vento]
    Disse isto para a menina Glória que vi passar na imaginação.

    beijo grande querida

    ResponderExcluir
  12. é, agora dá pra te saber um tanto mais. eu gosto, mas juro, não é pela vaidade de te tanto parecer comigo!

    beijo, flor :)

    ResponderExcluir
  13. só tu mesmo, só tu...
    parece um vento forte batendo no meu rosto. uma sensação boa, muito boa.
    um beijo

    ResponderExcluir
  14. "Trago no cabelo uma marca de antecipação do tempo e uma mancha escura desenhada no ventre. Vejo um tanto de coisas que vagueiam superfícies. Nasci sob o signo dos ventos."

    Me li aqui!
    ;*

    ResponderExcluir
  15. Não te entendo
    Mesmo atento
    Só te sei
    De ti ou do momento,
    que voando
    deixou a dúvida
    foi ou não foi?
    Aconteceu?

    Belas Palavras...

    Obrigado por Comentar em Xanadu/poesias. Estarei editando seu Link por lá.
    PAZ

    ResponderExcluir
  16. Alguém desejaria um sentimento mais existêncial do que este?
    Da verdade contida que neste texto entrelaçado de palavras traduz clara e insofismável?

    Aquela que na mutação incessante de sua ovolução esparge vidas, contidas em óvulos literários, polinizando almas que veem apenas uma coisa, e só a elas, sómente a elas, pertence o amor eterno..!!!

    Grato Glória!! Sua visita ao Carpe Diem-Hod ilumina os cantos de um espaço que está sendo gestado. Obrigado!!

    Aloha!!
    Hod

    ResponderExcluir
  17. Ó chamateia que fala da saudade
    Ó canção que pões um brilho nos olhos
    Ó mulher que tens a forma da viola
    Ó que espalhas paixões aos molhos

    E o cantar da meia-noite
    A todos encanta e seduz
    Cantar até que morra a voz
    Cantar até que haja luz


    Vem tocar uma Viola de dois corações



    Mágico beijo

    ResponderExcluir
  18. Que texto LINDO...
    Essa imaterialização resulta no seu contrário: leio-te em toda a parte!

    Muito obrigado pelas tuas simpáticas visitas.

    Beijo!

    ResponderExcluir
  19. Tudo já foi dito de ti e de tuas escritas nos comentários anteriores.

    A mim, me resta reverenciar teu coração que se salva entre brechas.

    Agradeço pelo carinho com que me lê e me comenta.

    Beijos belíssima Glória.

    Rossana

    ResponderExcluir
  20. Glória,
    encontrei fragmentos de mim na sua escrita.
    Embora eu ande " armada" também sou banhada por pressentimentos.
    Tenho natureza andarilha e sou sim, atravessada por sentimentos.
    Sentimentos, aliás, desencontrados e escondidos dentro de mim mesma.
    Eu ainda vou mais longe : Não só me apego a palavras que não existem, mas também a sentimentos que crio, só para viver melhor.
    Linda prosa poética.
    Muito linda !
    Tanto que me permitiu uma pequena reflexão.
    É sempre um prazer estar aqui.
    Grande beijo pra ti !

    ResponderExcluir
  21. Nossa, é liiiinnnnddooo isso, Glória...!
    Se em papel pode ser ainda mais!
    Publicado em papel.
    Que bom poder encontrar essa linha bamba e precisa sobre a qual caminha uma alma feminina.

    Especialmente hoje, estou muito agradecida de ter lido isso!

    Agradeço =)

    bjs
    joanna

    ResponderExcluir
  22. ótimo texto (como sempre).Gosto de voltar aqui.
    apareça , liberei meu outro blog (hoje e amanhã),
    de um pulinho lá , vê se gosta.

    Um ótimo final de semana.
    Maurizio

    ResponderExcluir
  23. Tudo que nós ouvimos, vemos e ouvimos vira sentimento.
    Tudo que é do outro é também nosso, e tudo o que é nosso é também do outro.
    Je t'adore.
    Très belle.

    ResponderExcluir
  24. Ela é realmente DESARNADA. Banhada por pressentimentos e sentimentos. Ela é pura emoção, explosão, vulcão. Ela voa muito, mais é a pessoa mais pé no chão que conheço. Querida você nem ausente consegue ficar, por que em qualquer lugar que você for eu sempre estarei presente, se não fisicamente, mentalmente. Dentro de seus olhos (molhados) eu vejo tantas coisas:
    Amor,Bondade,Coragem,Desejo,Encantamento,Felicidade,Generosidade, honestidade,irmandade... Chega né afinal o alfabeto é grande. Pois é minha linda é isso que eu tenho pra dividir com os amigos blogueiros. Te AMO muito!!!
    beijo

    ResponderExcluir

Ventanias