segunda-feira, 23 de maio de 2011

O Barão e a Formosa



“Assembléias, multidões!...
Não te iludas a caminho...
Na alcova do coração,
Cada um vive sozinho
.”
(Juvenal Galeno, Trovas do Além)


Cuspiu e praguejou. Feio é se fazer de morto! A calçada fervilha no final de tarde. E ele fica a apreciar o vai e vem da gente conformada com a sorte. Sabe de que modo anda esse tipo criatura? Como se a sina fosse aquela - trabalhar, comer, procriar e mostrar migalhas de coisas que o dinheiro compra. A vizinha do lado passa por ele e faz cara de espanto. Logo ela que daria até a vida para ganhar um cargo na municipalidade e poder mandar em quem quer que fosse. Vendida! Dessa vez ele grita alto sem o contumaz temor de ser tido como louco. Esse é o privilégio dos quase centenários, poder xingar, esbravejar e escarrar verdades, impunemente. Seu Juvenal nem se aborrece. A cadeira na calçada da Formosa deixa entrever que não há mais lugar.

A rua próxima aos bondes, dos passeios elegantes e das prosas demoradas é agora atravessada pelo alarido das buzinas. Progresso. Seu Juvenal pensou – existe sempre um nome bonito para as coisas que tiram o sossego. Com o passar dos anos, cada vizinho foi se recolhendo para os cômodos fechados. Cadê as moças de saias rodadas, dos corpetes generosos, de carmim nas faces? Por onde andam os rapazes que, na calçada do outro lado, exibiam fatiotas engomadas, coletes e lapelas ornamentadas de flores?

A velocidade marca o ato derradeiro do recolhimento. São horas que correm por dentro do cálculo racional do relógio. Seu Juvenal permanece. Cada final de tarde repete o ato de resistência, puxa o assento já roto e segue o movimento. A rua Formosa ganha nome de diplomata e fica deserta de cadeiras. A vista esbarra nos primeiros arranha-céus. Faz silêncio a Lira Íntima dos últimos românticos. Todos passam e ninguém se reconhece. Na Barão, gente é tanta que se esconde. Foi-se o tempo das trovas e das quadras anônimas. Moreninhas passam indiferentes ao apelo – não derramas fogo em minh’ alma gelada. O romantismo se recolhe com os lampiões de gás. Fica cega a cidade e o poeta.



(Uma homenagem a Juvenal Galeno poeta cearense do século XIX pertence à segunda geração do Romantismo. É comumente citado como "o pioneiro do folclore no Nordeste". A poesia de Juvenal extrapola o lirismo de caráter pessoal, para cunhar uma dicção popular, de sabor interiorano, em que retrata o Brasil dos pequenos e dos simples)