domingo, 3 de maio de 2015

O avião, o grilo, o galo e você



(pintura de Hélio Rola)

Não há vestígio do teu nome na Linha. Ontem, o galo cantou bem mais que três vezes e ele ignora que você aqui ficou. Os seixos da pequena estrada não mais sabem da tua passagem. As papoulas das cercas vivas já nasceram e morreram sem te mirar por mais de mil vezes. Estranho um amor tão bom não deixar rastros. Entre meus dedos, continua a escoar esse líquido informe que somos nós dois. E ao futuro apetece brincar de esconde-esconde. 

Da ponta do deck, a vista alcança Canindé e lá não há promessa em nosso nome. Se assim fosse, haveria entre braços, pescoço, dedos um ex-voto de coração partido. Redenção fica à beira da estrada e ainda nos falta cometer aquele grande pecado. Lembra? Você me contou a conversa que teve com uma nossa senhora, aquela que te falou para ganhar o mundo. Pode ser essa a matéria do que somos feitos, a distância.

Passa da meia-noite. Ao longe, tuas mãos talvez toquem um instrumento inaudível. Aqui, um grilo brinca de revelar o escuro. Até que te reencontre haverá entre nós um Paraná, o Ceará e um istmo de medo.  Contudo, existe sempre um mas. São eles o néctar do improvável, da arriscada aventura. Mas, tua pele é tão macia e tua boca serena quando soletra meu nome. Mas, ao teu lado minhas mãos despertam em alta temperatura. Mas, meu corpo sempre soube de ti.

Abeira-se a madrugada e a TIM não diz se persistimos. Há linha? O amor é refém das operadoras. Melhor apagar a luz. Já nem é tarde. O grilo, ironicamente,  pousa no criado mudo. O galo perde a noção das horas e ainda canta. Um avião corta o céu, tão só, tão só.  Somos isso meu amor, um motor suspenso até que seja dado o alívio do comando: autorizada a aterrisagem?


Linha da Serra, 2-3 de maio de 2015.