(Imagem: Gustav Klimt)
Ontem,
estava eu em um raro momento de felicitância, como diz minha prima, assistindo
o seriado Coisa mais Linda, quando vejo um bicho voador dar uma rasante,
raspando meus olhos. Pensei, claro, é uma barata voadora. E até me mantive
calma. Mas a vida prega peças. O bicho
parecia um louco endiabrado, correndo de um lado para o outro e de pronto vi,
era um morcego. Minha tese, já desenvolvida com altos estudos de biologia e
tratados sobre medos de infância é que morcego é um tipo de rato ousado, que
nem precisa se arrastar pelo chão. Voa imponente e, diz a lenda, chupa o sangue
dos inocentes. Já viram que é drama né? E ai comecei a gritar por ajuda. Corre
Alexandre, peloamordedeus.
Enquanto o morcego voava de um lado para o outro do
quarto, corri para o banheiro. Fiquei lá confinada e trêmula. Pensei, que é
isso? O que custa o tempo nos prover de alguns minutos de felicidade ingênua,
despretensiosa? A vida lá fora invadiu o meu lugar. Fiquei chateada com algum Deus.
Lembrei logo de Clarice e seu rato atravessando o passeio, aquele tipo de
caminhada que se faz sem pensar em nada. “Não era preciso ter jogado na minha
cara tão nua um rato”. Não era. O que
queria esse morcego no décimo primeiro andar? Por que razão me dizia ele que
não estamos livres do horror que visita o devaneio?
Tudo estava lindo na
TV. Era bossa nova, um bucólico Rio fim
dos anos 50. Nasci bem ali. Era música, paixão, beijo na boca, mulher
dizendo sim à liberdade e eu me escandalizando com o bicho que atravessa a janela.
Eu tão meninamente rodeada e só. De demoras, abri a fresta da porta e vi que o
morcego se foi. Será que se assustou?
Será que ao errar o caminho perdeu-se do lugar e voltou a atravessar janelas?
Sentei, chorei como quem passa por algum acidente, escapa e ri. Na verdade ri
muito. Vi, nítido. Persiste o morcego que voa. Sobrevive a mulher que se
espanta, que grita , corre e se levanta. Nessa noite adormeci abraçada comigo.