A banheira era insuficiente para que as pernas dele e as dela permanecessem paralelas. Ele fez um arco, suspendeu-a e arrastou-se suavemente para que os corpos se acomodassem. A água morna, o entorno branco aguardando cores quentes e a vela acesa compunha a cena do banho. Jatos gentis de água lançavam-se em correnteza pelo dorso das costas dela. A mulher fechou os olhos e sentiu pequenas gotas deslizarem através da testa, embeberem os cílios até seguir o destino da face. Ontem mesmo, fora elogiada por ter olhos de quem promete viagem sem destino. Uma moça do salão de beleza jurou que se fosse dona de uns parecidos, certeza, já teria feito muito estrago por ai. Falou com essas palavras e todas as letras de malícia que ficaram ali implícitas. Por que não? Uma mulher quase nunca sabe do que pode dar passagem. Leva um intervalo de tempo para que se aqueça a água da banheira. O necessário para que os líquidos se agitem e sigam os fluxos. Recostada, ela evocou imagens de fragmentos do corpo do homem. A boca desenhada e farta, mãos de pegada firme e rasteira e um murmúrio de voz que ecoa em pontos diversos da pele. Ela sempre gostou desse jogo de trazer à lembrança o sujeito presente do desejo. Como o eterno movimento lúdico das piscadelas. As coisas mudam de lugar a depender do olho que se abre. O corpo diante dela remexeu-se. Uma porta de visão se entreabriu e pingos de água de alta temperatura acenderam a lanterna da vontade aguardada da mulher. Do lado oposto, o homem que enxerga iniciava movimentos lentos. Havia atmosfera e promessa de dissolução. Os dedos dele percorreram um começo qualquer das pernas dela e seguiram o caminho do fogo. Há um momento em que o mundo acaba e nada mais há de ser dito. Apenas que Norah Jones cantava com sua voz rouca Sinkin’ Soon e que um cheiro de cabaré, espumante, vela queimada e sexo misturavam-se às espumas. Seus olhos guardam os vestígios arranhados dos estragos. Como fios desenhados do desejo entre suas pernas.