Recentemente, conheci um homem que não cabe dentro dele.
Mesmo em silêncio, sozinho é atravessado
por desmesuras, por grandiosidades sem nome. Sente a dor dos que já não têm
voz, dos que se apagaram por dentro, e pressente a intensidade das almas despertas.
Esse homem maior que ele, usa a voz para
dar passagem ao que transborda, para aquilo que nomeiam de divino.
Canta e, quando pode, dança. Acho que ele não sabe que seus
olhos podem ficar estáticos quando a cena é mesma. De outro modo, quando cores e
formas movimentam o inusitado, ele se regozija e veste-se de arco-íris dos mais
variados matizes.
Reparem, traz um sorriso tímido por detrás da visão. Não é qualquer visitante que cruza janelas,
mesmo que as portas do olhar permaneçam abertas. Ele se desdobra. Dá uma mão a tudo que é sagrado, e a outra
estende para a criança eterna que o habita. Ele poderia soltar pipa todos os
dias, poderia deitar na relva e olhar cada pedra como se única fosse e sequer
passar as páginas do calendário. É tão livre que decidiu ficar e assentar-se no
dorso de palavras encantadas.
Imagino. Não é fácil ser ele. Falou-me em silêncio que seu
corpo tem fome de varar estradas, de sentar-se sem ligeireza, e conversar sem ser notado. Ele guarda
palavras, assim como o pastor vela ovelhas. E nosso encontro aconteceu no dorso
de letras em profusão. Se pudesse, o
convidaria para viajar de trem e brincar de ver paisagens na janela. De qualquer modo,
quando sua imagem aporta na lembrança, peço que permaneça vivo o menino que
fundou sua fé. Milagre é brincar com o impossível. Não seria esse o mistério indecifrável do ato cotidiano de ressuscitar a vida?