segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O seu ano é novo?


É exatamente meia-noite. Procuro as palavras e encontro o silêncio. Um domingo-segunda. Estou no décimo primeiro andar e vejo Fortaleza por todos os lados. Diante dos meus olhos, um avião acaba de decolar em direção ao céu apinhado de estrelas. A vastidão me cerca. Finalmente, posso manter os pés acima do chão. Encontrei um lugar no mundo sem a mínima conexão com o espaço. E não é aqui, é um todo canto em que viajo e volto. Sou andante como as águas de um rio. Margeada apenas por um guarda-corpo que cria uma imagem turva de limite, de fronteira. Não sabia que além de guarda-roupa também inventariam algo denominado guarda-corpo - um muro vazado que circunda espaços da cobertura de edifícios. Acho que sabem o que fazem, nem sei o que seria se não houvesse entre o céu e a amplidão esse artifício criado para me guardar. É que não tenho um lugar nesse mundo, já disse. Sou de passagem, todos os dias do ano. Eu invento o novo e acabo atravessando cada dia que tropeço. Por muito tempo, sequer conseguia estar nas alturas. Onde segurar? Imaginava, com uma certeza mais que justa, que seria irremediavelmente lançada ou levada pelo vento. Nem sabia de Deus. Mudou. Ele sabe de mim. Fico próximo do precipício e me misturo à paisagem. Estou conectada. Fios de afetos de todas as cores, espessuras e tamanhos me vinculam e me cobrem. Encontro-me nos tantos de amores que me visitam e ficam. São eles que ligam a terra e nunca, ou quase nunca soltam o fio da pipa que ganha os céus a cada vento. Pequenos novelos de delicadezas, cuidados, encantamentos e enlaçamentos. Ontem mesmo, ao beijar um amor partido me deixei ir. Dói saber que vai e fica. Acabei de me distrair no enlevo do sabor quente desse beijo. “Eu faço os versos e nem rasgo”. Para que? Pois como eu vinha dizendo, gosto mesmo é da festa do ano novo. Corro, corro e fico hipnotizada com os fogos de artifícios e as lágrimas caem embaladas por tanta beleza. Eu sou grata, sempre fui. Esses fios me nutrem e me afagam inclusive os que se foram. Em cada dia desse ano eu me vi em lugares que guardam um mesmo nome: amor. Isso mesmo, amor, sem nenhum temor em ser piegas. Sem distinção de quantidade, tamanho e volume nomeio alguns deles: Isadora, Neide, Osmar, Tiago, Alex, Davi, Lucas, Bruna, Ceiça, Lucíola, Pedro, Márlia, Mariana, Cristina, Crisvany, D. Cosminha, Léo, Lídia, Camila, Gigio, Thiago, Márcia, Ana(s), Pryscilla, Fayga, Cláudia, Lana, Carol (s),Germana, Tainá, Joyce, Bety, Fabiana, Paulo, André...
Um brinde à vida, nova apenas quando sentimentos em doses altas fazem vicejar, todos os dias, o gosto de reinventá-la. Um brinde ao mundo que vejo aqui de cima e me acolhe, mesmo que o medo permaneça. Agora, o relógio marca 1.15 da madrugada do dia 29 de dezembro. Estou só e povoada. Lá fora, sem nenhuma rajada de fogos vejo um sinal: eu fiz essa passagem. É novo.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Acende a luz, meu bem!


Era tarde
Meus dedos sequer sabiam tocar as mesmas teclas, as mesmas cordas
Estavam mudos
Não há música a embalar o desassossego de mim sem você
E meus ouvidos perderam o tato do amor que se ausentou
Preservado de nós dois

Decretamos a noite
Meus olhos arriscam em te ver mesmo no escuro
Eles nos escutam
Uma canção lança o farol sobre a nossa extensiva paisagem amorosa
E meu olhar te abraça em cada corpo presente
Fugitivo de nós dois

Alteramos os dias
Minha-tua natureza frágil não tem como escapar do medo
Ele nos revela
Uma melodia romântica é capaz de nos deixar no chão
Tuas mãos tão geladas e aflitas quanto as minhas
Teimosamente, disfarçadas de nós dois

Trégua:
Para onde fomos que não nos levamos?
Eu uso a poesia para contrariar o tempo!
E você meu bem, por onde o deixou escorrer?
Eu uso as palavras para espantar o eco da tua presença!
“Ainda é cedo, amor”!

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

responda: você acredita em fadas?


Hoje, desci a Serra
Uma paisagem verdinha, verdinha era salpicada por ipês amarelo-sol
Entremeando-se à beleza da mata e do mistério
Um aqui, outro acolá mais cheio de folhas, inundava meu olhar a cada curva
Feito aquarela que se derrama
Encontrei o verde em festa e fiquei sem jeito com aquela graça

Não sou fadinha dos desejos, como diz Bruna
(uma menina de sete anos que diz ser preciso muitas fadinhas para vencer uma única fada malvada)
Poderia ter visto disfarçado em verde o amarelo dos ipês
Durante todos os outros meses do ano

Uma fada deve pressentir por onde cada cor se esconde e se revela

Um dia de tempo recente, saltei logo, logo que vi amarelo sob qualquer possibilidade de nos dois
Não sei qual seria o manto a cobrir um dueto amoroso
Confesso, faltou qualquer cor que me desse alguma explicação
Apenas duas coisas eu entendi, descendo, descendo:

O tempo muda a cor do desejo
Mesmo que reserve o verde sob palavras de paisagens áridas
Feito incerteza que se derrama

Encontrei você em cada ponto da serra
Tangenciando a curva do meu olhar em tua direção
Mesmo que o segredo continue imerso

Eu vou plantar um Ipê amarelo bem no pátio da minha vastidão!
Você sobe a serra comigo?

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Escritura do desejo


Escrevo
Saciada de abundância
Desnutrida por excesso
Escrevo-te
Desejada de ti
Plantada aos teus pés
Escreva-me
Embriagado de mim
Tatuada em cada ponto do teu corpo.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

As dobras da glória

flor: estrela d'alva de belém

Fora de mim:
(Luzes de todas as cores pontilham a cidade e enunciam o natal. Um fervilhão de gente povoa shoppings, aeroportos, bares, danceterias, avenidas e points; de todos os gostos e estilos. Apartamentos e casas recebem novas pinturas, os salões de beleza aglomeram-se, é frenética a busca por roupas e acessórios a serem exibidos nas ceias natalinas. Presentes são comprados para trocas em amigos-secretos sem distinção de gosto e afinidade. É preciso correr, é preciso passar, é preciso buzinar, xingar o outro que não se locomove rapidamente no fluxo abundante de carros. A fraternidade ganha cores nas prateleiras. Papai Noel de tudo que é tipo, estatura e fardamento é visitado em cada shopping da Cidade. Um deles chegou de helicóptero e deu autógrafos; não perdendo para nenhum pop star. Filas de crianças aglomeram-se para apenas apertar a mão, sentar um pouco no colo e concretizarem, finalmente, o pedido de natal. Muito prático, porque os pais e mães, já no shopping providenciam os sonhos de natal de seus filhos. Nos semáforos, famílias, com crianças de todas as idades amontoam-se e esperam a caridade dos passantes. Os vidros fumes e a velocidade dos veículos, evidenciam a pressa; a solidariedade não tem como descer nas ruas. De vez em quando, alguém decide fazer sua caridade anual e uns presentes comprados em série, são doados, tão rapidamente como o tempo entre o vermelho e o verde. Uma indiferença desenha o invólucro entre os mundos que passeiam dentro dos carros e os sonhos adiados do lado de fora. Um abismo, cujo limite é o deslocamento e a barreira é medo. Eu não encontro lugar.)

Dentro de mim:
Tomo-me pela mão e percebo que o tempo é de natalidade. Algo morre, para que outras coisas possam dar passagem. O mundo fica tão nítido, tão nítido que os olhos quase não suportam. Por que muitos passam e não vêem? Dores, fomes, misérias e solidões estampam-se em cada esquina, praça, pedágio pedindo uma dose pequena de humanidade. Eu entendo tanto o “Ensaio sobre a cegueira”. Entendo por um excesso cotidiano de visão que refina o meu olhar espalhado por frestas do corpo. Olhos fincados em cada ponto de sensação. Por isso, nenhuma venda conseguiria esconder o que pressinto no mínimo ruído de indiferença e esquecimento. Um fio invisível me interliga a cada passante desconhecido, um fio que vibra e produz uma sinfonia de sensações difusas e desafinadas. O que dizer, que boa nova enunciar? Uma estrela sinaliza no meu céu – nasce a eterna criança, mesmo que os olhos doam e ela seja tomada por súbitas ondas de desvanecimento. Essa criança, como diz Fernando Pessoa (Alberto Caeiro) “Dá-me uma mão a mim e a tudo que existe”. Ensina-me um jeito simples de fazer esperança com o coração na ponta dos dedos. Quando tem sono, já cansada ela pede um lugar quente para dormir e eu entôo a sua preferida canção de ninar: “dorme minha pequeninha, dorme que a noite já vem, tua mãe (pai) tá muito sozinha de tanto amor que ela tem”. Eu velo seu sono, banhada de ternura. Antevejo sua vontade de fazer nascer outros mundos sacudindo os sonhos, bem acordada. E como já disse, tomo suas mãos e ela me abraça os dedos. Adormecemos em um só corpo, enlaçadas como apenas convém a uma criança e uma poeta. Um lugar nos abriga. O milagre amanhecerá todos os dias. Feito força em comunhão. É natal.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Devir


Em cada mínimo lugar da palma da minha mão há um traço da tua imanência lacrada com nome de destino. Sem imaginar meu silêncio povoado de palavras, meu corpo protegido por beijos de passagem, você fez a loucura de me tomar às mãos e desenhá-las com a ponta dos teus dedos. Desvaneci reservada, como é típico das rainhas e vi pontilhar no céu um clarão de fogos de artifício. Estrelinhas de luzes brilhantes e cheias de faíscas, sem as minhas costumeiras explosões. Você vinha de novo e eu deixava entrar.
.
(Tão mais fácil correr, mesmo inerte, se cada uma das mãos ficasse esquecida e teu corpo buscasse através do meu apenas aplacar a fome e o frio! Você veio, pelo contrário, com o riso solto e os olhos pregados nos meus e me disse do mais lindo que permanece em você. Falou do seu cavalo alado, que tinha um nome pássaro e de como foi difícil se apartar dele. Contou-me, cheio de orgulho, que foi proprietário de um mini-posto, com elevador para lavagem dos carros em miniaturas e ainda de um autorama do tamanho da sala. Derramou palavras sobre o encanto de brincar, o tempo que se esvai no frenesi do dia a dia e os tantos álbuns incompletos de figurinhas. Rimos das nossas buscas por figurinhas difíceis, por tentarmos no bafo alcançar finalmente a que nos faltava. Mencionei minha coleção de caixa de fósforos, a cidade de bonecas e a certeza de voar entre as paredes do corredor da casa. E a minha criança e a tua se deram tão bem!)


Tem gente que não gosta nada quando digo: pressinto o que há de vir. Não demanda ser vidente não. Basta seguir os sinais de intensidade que o corpo guarda e vibra. Aprendi muito cedo a ler esses inusitados desígnios. Se pelo menos, tuas mãos tivessem soltado as minhas antes e depois. Se houvesse pressa em buscar algo fora de nossas mãos. Tu foste ficando até se fazer zero a contagem regressiva para o novo. Chegastes antes do dia, nesse ano que permanece e parte. Com tuas mãos quentes, firmes como de agricultores que cultivam o que comem; tu foste unindo cada ponto solto e ermo de nós dois. Desenhando dedo a dedo um bordado entre alma e desejo.

Ninguém leu o nosso destino. Nem os búzios, nem as cartas, nem era prevista tua vinda em qualquer trânsito astrológico. Foram teus dedos nos meus, brincando no céu de dezembro, que te conduziram até a mim.

Quando você chegar, tome minhas mãos e eu saberei. Olharei para o céu e no meu corredor não mais tão estreito, estará voando livre o teu cavalo alado. Direi: sinto-me tão bem ao teu lado. Você responderá: eu também. Apenas isso. Esse é um ano novo!

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Perda Preciosa


Encontrei uma pérola no caminho.
Tímida e inundada de brilho.
Ela dançava fora de sua concha
Eu dentro da minha

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

oscilação de temperatura


Faz silêncio.
Não quero dar explicações. Faltam-me palavras para certas coisas. Quem passa lá fora não consegue ver. Continua chovendo dentro de casa. O náufrago sequer envia mensagens na garrafa. Não há mais nada a ser salvo. O desamor rompeu a barragem. Eu mesma, nesse momento, me protejo como posso com os pés acima do chão. Nunca aprendi a nadar em águas revoltas. Agora, chovo. Ver por dentro provoca precipitações. Calma. Eu nasci sabendo voar. Não tenho pressa. O descobridor dos sete mares passará por mim e me navegará. Meu corpo fundará uma nova terra. Meus olhos dirão. Seus olhos me aquecerão. Ele sabe ler sinais. Haverá mudança de tempo. È verão. Aqui dentro, quarenta graus. Descansarás tuas pernas entre as minhas.
Faz silêncio.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Ex-voto?


(primeira versão)

Tomei os contornos do meu coração e o afixei num papel roto
Guardado em cofre, do lado da Nossa Senhora Desatadora de Nós
Havia de existir milagre!
Se havia!
Caso o deixasse entre braços, pernas, dedos, costas e rostos de graças alcançadas
Ele bem que poderia ter salvação.

O silêncio é o sal da redenção

Posicionei-o na prateleira
Não tão destacado
Não me tomem como desalmada,
Isso não sou!
Tive toda a delicadeza e zelo
Embora bem cansada
Não dei as costas e nem fingi desconhecê-lo

Há tantos outros que aguardam obstinados em prateleiras de fé

Coloquei-o entre uma mão fechada, de boa aparência
e uma boca que deveria estar ali por ter calado.
Dos males o menor,
Amar em demasia povoa e funda poemas.
É preciso cuidado com o pedido alcançado
E se o amor se esvai de vez?

O tempo tem me assustado

Nem precisa preocupação, piedade muito menos
Pois ele sabe que os calendários apenas imitam o tempo
E o meu (nosso) “coração é cristalino, mais duro que diamante”
Resiste sereno e confiante.
Resta apenas ultrapssar o abismo
Eu sou eu, você é você: acreditamos em milagre?