sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Imprevisão de tempo


Impossível ver o Redentor entre as névoas

Se o amor nunca acaba, muito menos eu.
Que de turva e abstrata não tenho nada,
Sou escovada feito aço
E dobrável na medida em que vale o tempo de trégua

O avião sobrevoa o Rio entrecortando nuvens carregadas

O amor essa linguagem de sinais sem códigos:
Em silêncio você me falava
Feito farol alumiando a terra.
E eu respondia muda e incendiada

Chove na Lapa e meu corpo não espera

Danço gafieira inebriada entre tantas mãos
Um desconhecido me toma pela cintura
Pernas se movem uma na outra em ritmo de festa
E eu vendo (ainda) tua beleza em cada ponto branco da tela

O bondinho do Pão-de-açucar parou na Urca!

Não há previsão de mudança de tempo
Apenas a permanência de um desencontro retomado
Entre as névoas
Você me vendo em fortaleza e eu te trazendo num veloz barco à vela





segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Rio, eu gosto de você!

Foto: Glória


“Minha alma canta” e o meu corpo sabe quando vai chegando ao Rio. Os momentos que antecedem esse reencontro são semelhantes à tensão do desejo do abraço de um amante amoroso que resiste ao tempo e a distância. “Um lugar para fazer feliz a quem se ama”. O Rio sabe de mim e eu me entrego a essa intimidade. Quem for só um pouquinho observador, vai reparar no mais rápido lance de visão: meus olhos tornam-se espelhos, meu corpo acende uma curiosa vontade de misturar-se à paisagem e de se entregar às correntezas de um “rio que (nunca) passa em minha vida”. Da janela da “São Francisco Xavier” podia, todos os dias, ver o “Redentor”! Esse Rio- imagem de uma beleza que escorrega, fricciona o corpo e ativa “a menina que vem e que passa”, despudoradamente.

Eu imagino, seria um perigo se eu morasse nessa cidade! Fazia sociologia nada, acho que seria dona de boteco, artista plástica ou mesmo dançarina de gafieira. Eita, bem melhor, nem teria que ser tão cuidadosa com as palavras, elas poderiam ritmar os sambas enredos das escolas nos dias de carnaval. Podia ainda ser “a mais bonita das cabrochas de uma ala”. Pra que melhor?

“Rio, você foi feito pra’ mim”, e não é conversa mole não. O radar do meu corpo sabe reconhecer os que se dissolvem na paisagem, os que beijam demorado, como quem tem sede. Assim me movo por seus aterros, baía e túneis. Um deslizamento mistura as imagens volumosas, das curvas tangenciando morros e montes com gestos e movimentos que me são tão familiares.Da última vez, ia distraída pela calçadão de Ipanema e, de repente, a vista turvou, lá vinha o Chico Buarque. “Olhos nos olhos” e eu sem saber o que fazia, ai, eu só gemi – ooooooooh! Chico. Ele riu, de mansinho, apressando o passo. Ali, me solto mesmo; fico faceira e nem tenho vergonha disso. “O apito da fábrica de tecidos vem ferir os meus ouvidos e eu me lembro de você”; a Vila Isabel e infância de minha mãe ao som do violão de um Noel Rosa magro e tímido nas calçadas. O ressoar dos tamborins do morro da Mangueira e os gritos de gol do Maracanã.

Perdão, essa semana os escritos ficarão jogados ao vento, literalmente. Durante o dia, nem pensar, o Congresso Mundial será rico e intenso; as noites na Lapa, os botecos em cada esquina, o vento da Barra me impedirão. Perdão mesmo vou saindo, agora, tô indo para o Rio de Janeiro, “morrendo de saudades”.

sábado, 22 de novembro de 2008

De olhos bem abertos


A aquarela subiu a linha da serra. Tudo verde, tão verde que o mato parecia derramar-se sobre o asfalto e perfurar de mansinho o amor que foi ficando cinza. Eu consenti? Uma cor pode encobrir às outras como anteparo de vida? Imagino que a tristeza é monocromática, assim como a desesperança. Cada curva de subida anunciava a boa nova: vermelhos exibidos feito batom carmim, azuis de anil, de céu em ventania, amarelos feito favos de mel. Eu era cega “ou me fazia”? Tudo aquilo sempre esteve ali e agora que eu via?

Os galos tinham penas brilhantes, a folha da zabumba lambia o caminho, a horta do Zé Maria exibia uma couve grandona que nem vitória-régia, o bebum dormia desde o outro dia, o açude do M. Dias tinha água até a barragem, a grama já recobria a terra do quintal e os abacates pareciam pérolas verdes enfeitando a pequena árvore. Onde estive que nada me invadia?

Dona Cosminha, a senhorinha de noventa anos, minha amiga da Linha bem que já havia me prevenido - felicidade é sentir-se grata todos os dias. E eu estava bem mais que isso. Consegui receber as dádivas e tomá-las como alimento e festa. Vontade de pegar a manga entre as mãos rasgá-la e chupar até o amarelo deslizar. De preferência sentada na pedra marrom-esverdeada que permite debaixo da árvore vislumbrar serra e sertão. Assim fiz. E lá fiquei por um tempo. Depois, experimentei olhar outra paisagem. Agora, de olhos fechados vejo todas as cores. Será que é isso que chamam de alegria?

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

travessia do fantasma (para todos criadores e criadoras das artes de viver)


Tomei-me pelas mãos com o coração em disparada
Assim que presenciei a morte retirar-se
Eu, irremediavelmente viva e ela, já sem olhos para ver
Cada uma seguindo a sina da partida
Não mais
Ela pensando que me alimentava
E eu imaginando que a conduzia.
Findou-se o infinitivo dos verbos,
Morrer de vida
Viver de morte
coisa apartada da outra
uma mãe, a outra cria
Some do alcance da vista
o fastasma assustado por sua sombra
Em plena escuridão do dia

é outra hora
um outro tempo
eros é também silêncio, solidão e vácuo
entrelaçados em sintonia
um só corpo, uma só carne
o imperitivo fértil se prenuncia
Criar, criar, criar
não é essa a única garantia?
os anjos no ceú e no inferno proclamam a nossa glória!



terça-feira, 18 de novembro de 2008

Que não precise arder tanto


Ingredientes bem dosados fundam as receitas.
Eu leio e desobedeço
Vou misturando o que a língua aprova
E aquilo que me permite gemer
Na ponta do dedo.

Um risoto com um pouco de cada coisa.
O que é possível juntar?
Corto a cebola, espremo o alho e fico imaginando se uso ou não a pimenta.
Do reino, raiz forte, de cheiro, ou chili?
Que não precise arder tanto, com um pouco de cardamomo!

Escolho o negror do funghi, amarelado pelo curry, banhado pelo vermelho feito brasa do chili
Ai, ai!
Tomo nas mãos o arroz arbóreo
De grãos firmes e delineados um, a um, com perfeição
Deixo a água ferver banhada de azeite e sal.
E me entrego à delicadeza do ato de criar um gosto tão meu

Saboreio um gole de vinho rosé
E reparo
A voz quente de Nancy Sinatra traz condimentos de lembranças
Por que não?
Tomo a colher e levo à boca
Um tantinho do que ainda ferve.
E digo: hummmmmmmm! É bom.

Bang bang, he shot me down
Bang bang, I hit thre ground
Bang bang, that awfuk sound
Ban bang, my baby shot me down


Sirvo-me do banquete
Uma porção atrás da outra é festa na minha boca
Cheguei até a pensar: acho que perdi tempo nesse negócio de sociologia
Só porque fui a cozinheira, devo ser modesta?

“He didn't take the time to lie.”

sábado, 15 de novembro de 2008

sem palavras


O medo tem um sentido bem ali
Onde as palavras escorregam
Nem me adianta gaguejar, criar reticências, murmurar monossílabos vagos de significados
Correr, muito menos.
Fico tão sozinha são elas!
Guardei os nós na garganta
Aquele buraco que cresce no meio da barriga
As lágrimas que não tinham para onde ir
E todos retornaram em silêncio.
Você ouve esse abismo?
As palavras têm um sentido bem ali
Onde os medos escorregam.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

sem título, sem ilustração


Por onde perdemos os pedaços que traduziam lembranças de dois? São pequenas quinquilharias, como desenhos, pedrinhas, fotografias e coisas desnecessárias que seguram um tempo em dueto e o desfazem. Elas se foram. O amor meu levanta-me. Será? Carrego uma sensação de que vou embora esquecendo algo. Olho em volta, nos cantos, nos lábios, atrás e nem sequer tenho pistas do que possa ter perdido. Esquecimento?Furto? Bincadeira de esconde-esconde? Sendo assim, nem suspeito (a) eu tenho. Como me lamentar? Tem alguém ai que possa assumir alguma culpa, tem? Acho que falei baixo. Uma hora vou ter que ouvir: distrações da eterna menina que dorme detrás das portas!

O amor pode ser , logo depois, um rascunho esdrúxulo e solitário.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Contigo Aprendi




Escrever uma história ouvindo todas as idades que tenho,
Contar história para todas as idades que temos.


Eu tinha apenas três anos quando ele nasceu. De tão branquelo foi apelidado de arroz doce. É bem verdade, eu queria uma irmã. Pensando bem, eu queria uma amiga para brincar de boneca, jogar pedras, pular macaca e chorar comigo assistindo a sessão dominical de Mercelino pão e vinho. Pensei então que ele poderia vir a ser um boneco de mais verdade. Poderia substituir o seboso, o único homem no harém das bonecas. Seboso, obviamente esse nome fora dado pela minha mãe, pelo olhar do outro. Ele era o mais velho da cidade dos bonecos e foi ficando meio desbotado, com uns sujinhos grudados nas pontas dos dedos e uma mancha, quase que uma raspa na perna esquerda. Não sei muito bem porque, mas a nudez era a condição corporal de seboso.
Foi quando nasceu o Paulo. A diferença é que meu irmão chorava, calava, ria estranhamente e não me respondia nada, nunca. Já o Seboso, principalmente quando ia dormir e se aproximava aquela hora da aparição dos fantasmas, dizia de mim e do mundo. Eu deitava de um lado, para reparar nas almas que vinham na mira de meu olho fechado e, seboso, ficava olhando o meu outro lado, o escuro, o abismo. Um certo dia, uma voz adentrou o silencioso diálogo entre mim e seboso. Meu irmão falava também. Era um final de tarde. Na radiadora, tocava Contigo Aprendi na voz de Altemar Dutra. Peguei Paulo pela mão e atravessei as cadeiras que pontilhavam o entardecer na calçada. Quando a noite chegou, como num ritual sagrado, naquele dia, amarrei em nossos punhos um telefone sem fio. Uma caixa de fósforos, um cordão que aproveitei das compras chegadas da mercearia, um fio de comunicação. Atrás de mim, não havia mais seboso. Apenas a infinita certeza do escuro, do sem fim e da tênue linha que parece unir afetos, dose possível de remédio para a alma. Durante toda vida um fio invisível nos entrelaça, nos comove. Contigo aprendi que existe luz nas noites mais escuras. Bom dia, Paulo.

Para Paulo Diógenes


domingo, 9 de novembro de 2008

fértil solidão




Uma solidão
Deitou-se ao meu lado
Tomei suas mãos
Entrelacei pernas com pernas
Olhos nos olhos
E não houve jeito:
Ficamos!

para aquele que espera o trem


Um sonho passou por mim
E deixou seu rastro.
Nem aguardei os pedaços de lembrança
Levantei inundada e tonta
Tomei a escova
Agarrei sem a mínima idéia de força
E a pasta pingou azul
Como um sinal
Ali no meu braço.
Vi o esboço de nós dois
Que resiste aos ventos
Percorri o desenho de sua boca
Molhada e nítida.
E um chamado que diz: você é única, sabia?
Será mesmo?
Melhor duvidar.
Fechei os olhos
E um sopro quente
Te mostrou em mim
Ali, inerte e movediço.
Com um riso escancarado para o tempo .

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Glória:
Estive no blog, li seus poemas e vi você, linha ao vento. Pensei depois de ir, ler e ver: se há mulher e a segunda natureza que ela instaura, há, sim (apesar dos ditames em contrário) uma literatura feminina, assim como há uma literatura macha. Ambas, em seus arquétipos de homem e mulher. Isso em nada (pelo contrário) as diminui. Ambas transcendem gêneros e não são feitas necessariamente por quem tem o sexo masculino ou feminino. Pensando assim, Manoel de Barros me parece tão menina e Hilda Hirst, tão fálica. Mas em você - pelo menos no que li até agora e foi tão pouco - genitália e escrita coincidem, como, por vezes, em Clarice e Lia Luft.Pòs-leitura , saio tocado pela feminilidade. Repito, aquela feminilidade arquetípica ou consensual ou trans-histórica: mulher, não apenas enquanto pessoa, mas um lugar.Escrevo isso pensando no vento que, segundo um dos poemas, lhe levanta a saia, lambe não se sabe onde e bate a porta. Escrevo isso pensando em quem, parafraseando Bandeira, diz ser "a mulher que quero e a cama escolherei". Escrevo isso pensando, pois, na mulher como um eldorado, um onde que pra onde vai leva consigo um para-além de si mesmo; um em-si. Poesia - diz Haroldo de Campos - é o afazer de afasia, ou seja, é um afazer de palavras quando não se tem palavras. E eu acrescentaria: poesia é o que nos põe em estado de poesia, em estado de afasia. Você, com alguns de seus textos, me pôs assim, tentando decifrar essa matriz feminina que aconchega um mundo à parte que lhe entra pela fresta da carne.
Um abraço!Ricardo Guilherme P.S Depois de reler este email, me perguntei: que sexo tem essa minha escrita ?Rsrsrsrs

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

auto-retrato


Eu não tenho perfil. Desde bem pequena me pergunto onde fiquei, onde nasci, onde houve registro de alguma glória.Sei que desde sempre tomo na mão pequenas coisas como cobras de duas cabeças, caixas de fósforos que funcionam como telefones perfurados com barbantes e miniaturas de todos os tipos.Fui talhada para subir em árvores e quase nunca saber como descer.Fui fadada a ler a histórias de santos e santas que assim se tornaram por resistirem. E nunca gostei de freiras. Rezava, rezava muito para os heróis das estórias conseguirem vencer os monstros, desvendarem os enigmas e, finalmente, serem premiados com o mais singelo dos amores. Gosto de gente que alcança lugares ermos, topos de montanhas, corações de florestas, fundos de cacimbas. E voltam para contar e atiçar o desejo de ir.Por achar que flutuava e voava interligando chão e teto, eu me perdia nos espaços do meu quarto. Quase sempre me desligava e via o mundo rodar. E se eu tivesse adentrado o “túnel do tempo”?Fazia das músicas trilhas sonoras de aventuras vãs.Descobri muito cedo onde fica o prazer e ele se espalhou por lugares que ainda nem conhecia. Eu nem me reservei e muito menos precisei ir ao Fantástico.Uma palavra em falso, um dedo em riste, a dor de um outro estampada na minha cara, um desalento, faziam rolar lágrimas com prenuncio de inundação.Sou fértil, tão, tão que quando o homem, segundo a minha avó, pegava no punho da rede já havia risco de procriação. Filhos de todos os jeitos. Amamentar segurando os dedinhos, agradecida por ser fonte que nutre um e outro. Tenho inveja das cumade na beira dos açudes lavando roupas e quarando a vida. Quando crescer, quero ser uma mulher que apenas pressente, sem as desmesuras daquilo que chamam sentimentos. Roupas entre as pernas, sabão que lava na pedra aquilo que demanda ir, o sol e varal. Melhor assim. O cheiro do feijão adornando a espera e o homem de peito ao vento enroscado no silêncio.Lá fora, o cheiro dos guaxinins, as cantigas de grilo e uma ausência do tempo. Um lugar ermo de palavras e eu plantada, bem no meio.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008


Acabou de entrar pela minha janela
Um vento cheio de sedução
Levantou minha saia
Desgrenhou meus cabelos
Desceu pelas costas
Lambeu num sei onde


E bateu a porta!