Eu te carrego entre traços rabiscados. Minha mão e a tua, espalmadas, exibem dedos longos. Uma música é tocada no movimento de teus lábios. Teus olhos se movem para lugares distantes quando a voz de Roberto diz: “detalhes tão pequenos de nos dois são coisas muito grandes pra’ esquecer”. Ele nunca aceitou esse outro que invadia sorrateiro o teu folhetim, o teu rebolado na ponta dos pés, essa boêmia de Noel espalhada nas calçadas de Santa Isabel e a entidade suspensa que tu carregas e te espreita. A tua busca se inicia nas escadarias da Glória e descamba nas festas de Iemanjá. Eu surgi dessa promessa, mescla entre sagrado e profano.
Movo-me reta como se carregasse um cetro invisível e um domínio encantado. Você me deixou um titulo de nobreza. Eu guardo aquela foto em que você me sorri e comemora o nascimento entre peitos e braços. Você é deusa de reino distante, daquelas que cruzam o tempo em cavalo veloz e eu parte do teu bando. O vestígio de tua passagem se desenha na ponta do sorriso que faz mover o canto esquerdo dos meus lábios. Tenho um tanto do teu olhar que vagueia curioso e outro tanto que se derrama felino. Eu aprendi a dançar gafieira sob a mira dos teus movimentos sem nunca teres tomado minhas mãos nessa direção. Teu lugar de dançar é sagrado. Eu carrego a Lapa em noites de boêmia. Meus passos te acordam.
Não nascemos para ter marido, essa entidade amorfa, embora o amor bata quase sempre em nossa porta. Casamos com amantes eternos. Gasto tudo que tenho em jogos de alegria. Feito comer em mesa farta, viajar sem destino e ter filhos em demasia. Tenho tido sorte mamãe. Quando fico cansada trago para junto a imagem do Cristo Redentor de “braços abertos sobre a Guanabara”. Eu hoje moro perto do céu e já suporto o brilho das estrelas. Diz para Deus que sou grata por sua extrema gentileza comigo. Ele me carrega. Quando preciso dormir braços e pernas me velam. Quando for partir um séqüito de borboletas e aves de penas leves me conduzirá. Livre. E estará escrito: ela cumpriu a promessa.
para Suely
para Suely