Leonilson
Escrevo para apagar meu nome.
Georges Bataille
Um trago de aguardente turvou a visão. A mulher da tentação espaçava e cerrava pernas no assento do balcão. Ausente, a fêmea vagava o olhar. Tomava o cabelo por entre as mãos e o suspendia até à nuca. Em seguida, soltava os cachos e deixava deslizar os fios no dorso das costas. Na vitrola tocava My Funny Valentine na voz de Dolores Duran. E a mulher cantarolava separando e fechando suavemente os lábios - Your looks are laughable, un-photographable, Yet, you're my favorite work of art. O disco arranhado compunha com o bar o cheiro excitante da decadência.
Um segundo copo de cachaça acelerou o compasso. O homem seguiu o script da peça tantas vezes encenada. Nem sequer sabia inglês para tentar provocar uma cumplicidade à distância. Levava apenas um touro faminto na tensão ocultada dos músculos. Retesado como um bom caçador diante da pressa de alcançar a mira. Podia ter evitado o gesto de tomar entre as mãos o úmido lugar do desejo. Ele só tinha imaginação e mais nada. O seu corpo espelhava-se na tela feminina de brancura carminada, no movimento febril de abrir e fechar asas.
A mulher pede uma dose de vodka e solve num trago só. Pensa. O obsceno tem lugar no pátio central da solidão. Quase romantiza a cena. Nada, por favor, nada de laçinhos cor de rosa. É apenas nua que quer estar. O homem sabe que qualquer hesitação, ela retorna ao refúgio. Segue até o balcão e sussurra a única música que sabe de Dolores – Hoje eu quero a rosa mais linda que houver. Ela apenas ri. É a última dose. Duas asas trêmulas pendem diante da sombra do despenhadeiro.