quarta-feira, 27 de março de 2019

A visita do morcego



(Imagem: Gustav Klimt)

Ontem, estava eu em um raro momento de felicitância, como diz minha prima, assistindo o seriado Coisa mais Linda, quando vejo um bicho voador dar uma rasante, raspando meus olhos. Pensei, claro, é uma barata voadora. E até me mantive calma.  Mas a vida prega peças. O bicho parecia um louco endiabrado, correndo de um lado para o outro e de pronto vi, era um morcego. Minha tese, já desenvolvida com altos estudos de biologia e tratados sobre medos de infância é que morcego é um tipo de rato ousado, que nem precisa se arrastar pelo chão. Voa imponente e, diz a lenda, chupa o sangue dos inocentes. Já viram que é drama né? E ai comecei a gritar por ajuda. Corre Alexandre, peloamordedeus. 

Enquanto o morcego voava de um lado para o outro do quarto, corri para o banheiro. Fiquei lá confinada e trêmula. Pensei, que é isso? O que custa o tempo nos prover de alguns minutos de felicidade ingênua, despretensiosa? A vida lá fora invadiu o meu lugar. Fiquei chateada com algum Deus. Lembrei logo de Clarice e seu rato atravessando o passeio, aquele tipo de caminhada que se faz sem pensar em nada. “Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato”.  Não era. O que queria esse morcego no décimo primeiro andar? Por que razão me dizia ele que não estamos livres do horror que visita o devaneio? 

Tudo estava lindo na TV.  Era bossa nova, um bucólico Rio fim dos anos 50. Nasci bem ali.   Era música, paixão, beijo na boca, mulher dizendo sim à liberdade e eu me escandalizando com o bicho que atravessa a janela. Eu tão meninamente rodeada e só. De demoras, abri a fresta da porta e vi que o morcego se foi.  Será que se assustou? Será que ao errar o caminho perdeu-se do lugar e voltou a atravessar janelas? Sentei, chorei como quem passa por algum acidente, escapa e ri. Na verdade ri muito. Vi, nítido. Persiste o morcego que voa. Sobrevive a mulher que se espanta, que grita , corre e se levanta. Nessa noite adormeci abraçada comigo.   

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