Klimt
Foi preciso um tempo de silêncio e de espera. Não sou uma mulher de meias palavras. Minha história é testemunha do meu gosto por elas. Costumava, desde cedo, subir nos lugares mais ermos e ouvir seus ecos. Ainda criança, escalava o pico de uma serra do Vale do Jaguaribe e lançava nomes de tudo que é jeito para imensidão do sertão. De cima da Micaela gritava os mais bonitos para a minha alegria: Vó Sinhá, Belinha, a burra que me carregava entre os caçoas até o açude e outras vezes, suspirava fundo e empinava a palavra vento. Eu imaginava que ele corria mais veloz por isso. Um dia, colhendo algodão descobri meu tino: sou uma agricultora de palavras. Elas me nasceram e emprenho tantas quantas queiram vir ao mundo. Somos da mesma família. Naquela manhã, quando aquele homem abriu a porta do meu quarto, nenhuma delas veio ao meu encontro. Meu querer por ele era um deserto de explicações. Encontrou-me nua e assim permaneci. Falcão gritou o meu nome da forma tão muda como a minha fome. Meu corpo pressentiu sua visita. Antes de ultrapassar a porta na companhia da massagista, ouvi o eco do seu desejo esbarrar no meu. Entrei no quarto e aguardei a passagem. As mãos firmes da mulher acenderam o óleo na ponta dos meus pés. “Dona Raquel? Dona Raquel?” Olhei em volta e me vi abandonada por qualquer dito capaz de dar o sentido de cancela, de impedimento. Ainda deitada, virei em sua direção e vi o olhar do homem se derramando por cada canto do meu corpo. Ele havia ultrapassado as paredes. Como disse, qualquer palavra despencaria no vazio. Uma delas veio em minha direção, quase em tom de confissão mútua – “Tá doido, ta doido”? – Ele gritava repetidas vezes o meu nome e eu o remetia aquele lugar despovoado – a nossa compartilhada loucura. Falcão abriu a porta e eu calei. Era alta a temperatura. Imediatamente, ele retoma o caminho de volta. Isso ele não disse. Coloquei um vestido por cima do corpo e levantei-me em sua direção. Movida, inicialmente sob o pretexto de adverti-lo, de indagá-lo das razões de sua entrada súbita. Ao sair do quarto percebi o rastro de seu cheiro. Um aroma de mato que após a chuva levanta o mormaço das memórias de um dia quente. Gritei algumas vezes o nome dele. Por um momento imaginei que nunca mais retornaria. E, voltei. De costas ele me tomou pela cintura, suspensa no tempo e disse – me salva! Eu havia perdido o meu plantio de palavras. Que poderia eu falar para o homem que havia me levado ao lugar mais ermo de mim? Fechei os olhos e fiquei. A obra ganhava seus últimos contornos - o criador, a criatura. Ele me conduziu ao décimo primeiro andar. Até o topo. Lá de cima, ensaiei um grito sem nenhuma pretensão de sentido. Foi quando vi um pássaro veloz carregando esse vento. Seu hálito quente ainda sopra no dorso do meu silêncio. Eu escalei essa altura. Daqui de cima me solto e, finalmente retomo o verbo. O eco de tua voz rente a minha anuncia: mulher! Eu ganhei o céu sob tuas asas.
Oi, Glorinha,
ResponderExcluirEsse erotismo latente torna a história ainda mais sedutora.È a escritora Glória Diógenes que inicia sua vida literária. Qual será a próxima novelinha?Bjs.
glória de meu deus
ResponderExcluirfui arrastada prum tempo/espaço diferente agora, te disse isso.
às vezes eu fico com medo de te ler pq eu nunca saio incólume daqui, mas depois vejo que esta violação foi necessária pra mim. sempre é.
obrigada por me proporcionar isso.
quero que essa novelinha acabe não,ó. ou então tu tem que escrever outra. urgente!
um beijo
Gloria,
ResponderExcluirVc é um ser muito valioso. Suas palavras mostram sua profundeza de sentimentos. Lindos. Doce. Mágico. Senti saudade de coisas que não vivi (risos).
Bom Domingo.
Bjos com ternura.
Nossa que delícia de texto.....estou sem palavras...minha cabeça voa...
ResponderExcluirGlória,
ResponderExcluiracompanhei atentamente e bebi cada palavra da sua história ( ou de Raquel ?) , curiosa pela cena seguinte.
A fragilidade e a força de ser mulher está na força da narrativa de Raquel.
Um texto cheio de desejo. Leveza. Talento e erotismo.
Falcão e Raquel não terão continuação ?
Interessante acompanhar histórias pela internet.
Aguardo novidades.
Ótima semana.
Beijão
Glória, há a força da Raquel, que transborda na senhorita. Gostei de ouvir a Raquel falando, mas vou aguardar a próxima parte para falar acerca dela. Estou aguardando.
ResponderExcluirAbraço,
R.Vinicius
Tantas dúvidas sugeridas e, quando esta conclusão [?] nos é trazido, percebe-se que ela já estava lá. Mas a escritora nos seduziu, i.e., nos desviou e, com isso, nos surpreendeu. Da terra, das mãos sujas, dos desejos embrutecidos, Falcão avançou. Passo a passo. E chegou extamente em Raquel, onde residia a mesma força. Força bruta do desejo: enlaçada na delicadeza.
ResponderExcluirQue bom que Raquel falou e mostrou sua humanidade.
ResponderExcluirO encontro de dois seres; uma ação... um resultado.
O que sobrou depois?
Excelente Glória.
Beijo
Sôfrego sentimento que espreme o naturalismo dos seres humanos,
ResponderExcluirquase desumanos somos contornados às vontades mais íntimas e fazemos delas o detalhe perturbador que faz perder o sono...
você,
pouco direta e muito poética
constrói esse sentimento com autoridade.
Beijo grande.
Você é uma artista, minha amiga. desperta sentimentos e sensações. na gente. coração dispara, dá um desassossego!!!!
ResponderExcluiré bom demais.
Essa tua prosa me desnudou um prazer que há tempos não sentia ao ler uma autora. Acho que somente a Hilda Hilst me pôs desse jeito. Tuas palavras tem imaginação e vida e é disso que a paixão é feita. Estou francamente impressionado com o teu estilo e só não leio mais porque o sono aos poucos destila minha razão. O escoar das suas frases dá o tom perfeito do desejo. Povoa de imagens e vozes aquilo que de mais secreto nós temos. E isso é raríssimo. Já estou com inveja do teu jeito de escrever. Um beijo, moça.
ResponderExcluirnosssa, que blogue lindo! isso sem falar do texto! quer é mto bom de ler! ah, e não precisa se desculpar pela invasão, pode aparecer quando quiser! e depois, eu não sou tão triste quanto aparento! ehehe
ResponderExcluirbjuuu
Nooossa! Belíssimas linhas (e, entrelinhas!). Pensamentos mil depois de passar aqui... lindo³! É o desassossego meu de cada dia, rs!
ResponderExcluirbeijo grande Glória!
(:
Tanta coisa por aqui, que nào sei nem por onde começar. Márcia sabe que eros é uma pulsão que atravessa muits linhas. Joice, palavras que reverberam, também nos pertencem. Franzé é um interlocutor precioso.Vinícius éum artesào das palavras.Joào escreve em alta temperatura. Ana é uma maga das letras. Fico contente em ter encontrado Aline e Adri.
ResponderExcluirEduardo é uma descoberta cheia de trilhas...
Anônimo é uma presença sutil
grata e muito atiçada pelas palavras de todos vocês.
Amiga do Cafa, nào sei o que será de Falcão...uma outra obra?
bjs
Voltei.
ResponderExcluirCansei da futilidade de ontem e resolvi pela nudez mesmo.
Resultado: me revoltei com essa existência virtual.
Um beijo, moça
também fui arrebatada.
ResponderExcluire outra coisa: linda é tu, que vê beleza nesses meus pedaços de dia. um beijo.
Já assistiu O Cheiro do Ralo? Dê uma olhada na minha crítica.
ResponderExcluirNão sei porquê, mas acho que, apesar de recém ter chegado em casa meio de trago, você gostará do meu post de hoje. Beijo.
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