Existem continentes vertidos sob meus pés. Eu nunca fui mulher de viver uma só vida. Esse lugar em que agora moro abriga um tanto de outros. Fico aquietada e escuto vozes de fantasmas cruzando portas. Uma fina camada de areia separa porões e sótãos que guardam objetos apartados de mim. Habito um lugar que não alcanço mais. Arqueólogos de um futuro imperfeito encontrarão relíquias de um caso pretérito de amor: cachos enlaçados amarrados em laço de fita, tua voz rouca entoando canção de reconciliação e folhas secas de um dia de primavera. As dobras do desejo criam camadas paralelas de tempo. Ficam vedadas as passagens para outros lados de uma mesma história.
Nesse presente, movo-me sob domínios férteis e gentis. Um amor me tomou as mãos, desvendou o segredo entre lábios e me fez alcançar outra dobra de chão. Preparei um vestido branco de algodão e vou trançar no cabelo flores de jasmim. Até o coreto da praça se enfeitará de música e fanfarra. Quero uma canção capaz de despertar cidades adormecidas. Vou ser a primeira a levantar a barra do vestido e rodopiar. Eu pedi para que minhas amigas e amigos falem bem de mim e de você ao santo protetor de amores nascentes. Ele é Rafael, arcanjo que brinca comigo de vale tudo. Eu digo o nome do desejo e ele me traz a glória. Ganhei um anel com pedrinhas que brilham alegria e confirmam a mulher escolhida.
As vozes de ontem ecoarão em campos vastos de infinitivos verbos futuro: criarei, fecundarei, morrerei banhada de vida. Até que o corpo mova-se em partículas de luz e atravesse barreiras do tempo. O amor dará passagem em ritos de fertilidade. Eu serei terra plantada de colheita farta. Filhos de todos os continentes me prosseguirão. Um vento veloz e aves de arribação espalharão sementes. Estará escrito: ela atravessou cancelas.
Nesse presente, movo-me sob domínios férteis e gentis. Um amor me tomou as mãos, desvendou o segredo entre lábios e me fez alcançar outra dobra de chão. Preparei um vestido branco de algodão e vou trançar no cabelo flores de jasmim. Até o coreto da praça se enfeitará de música e fanfarra. Quero uma canção capaz de despertar cidades adormecidas. Vou ser a primeira a levantar a barra do vestido e rodopiar. Eu pedi para que minhas amigas e amigos falem bem de mim e de você ao santo protetor de amores nascentes. Ele é Rafael, arcanjo que brinca comigo de vale tudo. Eu digo o nome do desejo e ele me traz a glória. Ganhei um anel com pedrinhas que brilham alegria e confirmam a mulher escolhida.
As vozes de ontem ecoarão em campos vastos de infinitivos verbos futuro: criarei, fecundarei, morrerei banhada de vida. Até que o corpo mova-se em partículas de luz e atravesse barreiras do tempo. O amor dará passagem em ritos de fertilidade. Eu serei terra plantada de colheita farta. Filhos de todos os continentes me prosseguirão. Um vento veloz e aves de arribação espalharão sementes. Estará escrito: ela atravessou cancelas.
belo rito de passagem, glória.
ResponderExcluir"Eu nunca fui mulher de viver uma só vida."
ResponderExcluirPreciso conhecer mais mulheres assim. Belo texto, Glória!
Abração!
eu naõ consigo escrever assim...escrever apenas sobre o coração humano...e vc é exímia nisso...sempre me despertou mta curiosidade saber que tipo de mulher..que tipo de alma feminian consegue escrever assim...
ResponderExcluirAMÉM!
ResponderExcluirQue mais dizer?
Linda Glória!
bjs
Rossana
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluircorrigindo
ResponderExcluirGlória, vc consegue escutar os objetos. Não está órfã nunca porque ela nunca morre em vc. Sua poesia é
Rafael sem cancelas - anjo do desejo. asas de pantera.
Que montagem fotográfica linda!
* não conheço mulheres de uma vida. a gente já nasce várias!
Menina, que texto lindo o seu...
ResponderExcluirBenza DEUS, como diria uma amiga...
Lembrou um pouco o livro O ENCONTRO MARCADO, do Sabino....
Muito lindo...
Glória!
ResponderExcluirUma beleza de texto! O que dizer mais? Perfeito!
Não tenho palavras para lhe agradecer por tanto carinho. Adoro ler seus comentários!
Um beijãooo.
Pedro Antônio
tudo muito lindo e para atravessar cancelas eu sempre penso que todo dia é dia e a qualquer hora é sempre! ô glória, sempre lindos seus posts. =)
ResponderExcluirO amor nos faz atravessar cancelas . Viver em outros mundos. Renascemos a todo momento quando amamos.
ResponderExcluirSeu texto, Glória, é banhado de vida,de descobertas, de pequenos sótões e porões interiores.
Adorei quando escreveu : " Eu nunca fui mulher de viver uma só vida."
Você tem a capacidade de renascer sempre, através de belos textos.
Bom domingo.
Beijão !
Puxa...
ResponderExcluirfeliz de quem tem o que deixar escrito...
andei sumido do meu blog, mas, assim que voltei, uma das primeiras providências foi te visitar...
e que alegria é visitar vc!
bjs
socorroooo, que coisa linda... olha Glória isso que vc escreve é tao bonito,que eu mts vezes nem seo o que comentar, me faltam palavras sabe??!!
ResponderExcluiro que é isso gente? ate'o coreto na praca se enfeitará de musica?? lindo!
"cachos enlaçados amarrados em laço de fita" e "anel com pedrinhas coloridas" - Lembrou-me a mim!
ResponderExcluirGostei muito!
BeijOs meus
Maravilhoso Salto Guântico através das eras. Essas onze fazes com Lilith ao centro testemunharam!
ResponderExcluirAloha!!
Hod
Olá Glória. Interessante o que acabei de ler. Hoje minha inspiração não me diz muito. Talvez seja o caso de expirar. E nesse sentido, algo dos meus dedos quem sabe vaze em sua direção. Penso em locais indefinidos e desconhecidos nos locais pelos quais sempre cruzo. Penso nas dobras do espaço que o tempo, ainda que seja de pele, no incute a cada instante. E pensar nisso me remete a uma imagem de sábado. Vi um gaúcho negro sentado no meio-fio de uma calçada, perto de uma placa de PARE, fumando um palheiro e tomando dois litros de vinho tinto bagaceira. Fazia sol e ele continuava soturdo, quase fotografia ante meus olhos xeretas. Seria o passado a me visitar ou seria o simulacro de algo de mim que quero esconder? O fato é que não sei, mas a imagem dele me ronda a cabeça e os olhos como aqueles anjinhos e diabinhos de desenho animado. Do mesmo modo é que penso nas suas palavras. E se é do mesmo modo que penso nas suas palavras, é porque, ao menos suponho, essas palavras me fizeram ver a poeira se escondendo pelos cantos do canto onde habito, como alguma vez disse Renato Russo. Talvez nessa estranheza, nas rugas das paredes de limo, como tanto disse o Quintana, é que resida a poesia. Apesar disso, acho que ela está em toda parte, a exemplo de um vizinho pelo qual cruzo todas as noites aqui perto, sempre vendo o sujeito sentado no escuro em frente a televisão com um chimarrão ou um copo de cerveja em mãos. Que canto há de cantar quem nunca cantou? Acho que aí se encontra a vidência do Rimbaud. Acho que aí se encontra o nada daquilo que somos para talvez encontrarmos algo que se assemelhe ao ser sartriano, apesar de eu andar desconfiando muito tanto dos hermeneutas quanto dos existencialista. Ora, se a hermenêutica é a filosofia e o existencialismo é a existência, qual é o fundamento disso tudo? Talvez o Heidegger esteja certo ao dizer que o fundamento é sem fundamento já que petrifica a compreensão. E talvez o Morin esteja mais certo ainda ao dizer que uma palavra leva a um termo que por sua vez retorna àquela palavra. No entanto, prefiro me valer do Lynch e seus fotogramas viciados de casas que sempre trazem um corpo enterrado no jardim. Foi essa dobra que senti aqui, tanto para o bem quanto para o mal, a exemplo dessa cruz que tantos Drummonds dizem que está presa às nossas costas. O que, convenhamos, chega a ser prazeroso. Um beijo e até mais, visto que agora, voltando ao mundo virtual, aparecerei como de praxe por cá. Fui-me.
ResponderExcluirQuantos tempos nessas tuas linhas ao vento... passado e promessas de futuro enlaçados como teus cachos amarrados com fita. Lindo!
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