“Se não chegas nem pelo sonho, por que insisto em te imaginar?”
Cecília Meireles
Cecília Meireles
Era bem cedo, quando ele cruzou a porta. Não anunciou o nome e muito menos o motivo da repentina visita. Já foi entrando e recorrendo a quem lá estivesse: é aqui que vive a poeta? Ozanira, Joana de nascimento, tinha o dever sacramentado de interceptar a entrada de estranhos. Dona Cecília não podia escrever nenhuma linha, dizia a moça – com aquele fervilhão de gente atrás de falar com ela. Para chegar à escritora, primeiro tinha que tirar prosa com Ozanira. Ela era a dona do tempo. Escrever é um modo de se abster das horas. Naquele dia, Cecília despertou com uma réstia de sol perfurando a brecha da cortina e fazendo luz nos olhos dela. Imaginou atraso e se lançou fora da cama, em sobressalto. Essa mania eterna de correr atrás de "nãoseiquê" mesmo que o dia escorra em abundância. Imediatamente, o relógio ostenta a hora certa: sete da manhã. Quase brincadeira de mau gosto. Esperou por toda a semana esse instante de não ter obrigação. E acorda, exatamente pontual. Imaginou de pronto que sol é do gênero masculino, diferente da lua. Que ele rasga o dia alumiando tudo, furando a noite, não deixando um recanto permanecer apagado. E sem que qualquer coisa a demovesse da idéia, se pôs e esbravejar o astro e seus inconvenientes raios. Arrogante! Essa foi a sua mais leve palavra. Esse cerzir da vida leva um pedaço para, logo em seguida, estampar compensações. O aroma do café trouxe lembranças de menina. A fazenda Cachoeirinha, o mugido das vacas no curral e o chocalho das cabras no terreiro. Toalha de linho e bem ao lado da xícara de Cecília, a tapioca branquinha recheada com queijo coalho. Um estômago tem fome de generosidades postas à mesa. Ela toma o primeiro gole de café e sorri. Havia sido severa com o sol. Afinal de contas, fazer despertar pode ser uma forma de amar. Esparramou-se no sofá e deixou o tempo passar, descansado. Quando ele chega, o desconhecido, a mulher já ganhou ternuras. Aqui mora a poeta? Cecília se agita e, curiosa, responde: aqui mora poesia. E você, quem é? Ele murmura, por saber que cruzou a casa como um raio, e a faz recordar - meu nome é Mário. E evoca o motivo de um amor nunca dito. Eu sei da tua timidez. Não temas: “o luar é a luz do sol que está dormindo”.[i] Cecília se remexe no sofá, balbucia o nome do poeta e concede a esse amor o sono infinito. Ozinira, do lugar dela pensa alto – essa Dona Cecília escreve coisas no pensamento.
[i] “Verso avulso” de Mário Quintana
Adorei muito!!!
ResponderExcluirEu li, Glória. Não te visito muitas vezes. Mas vou fazer disso um hábito dentro do tempo que tenho.
ResponderExcluirE você criou tantas imagens que fiquei feliz. É bom ler algo bem escrito, ver talento. Isso sim é generosidade.
Leitura sempre leve e deliciosa.
ResponderExcluirA pergunta inicial de Cecília me fez refletir sobre o sonho, o criar, imaginar... É lá, somente lá que tudo é possível...
Com a cabeça sobre o travesseiro, outra vida, outros países, amores possíveis, palavras não ditas, beijos não dados, "adeus" calado.
Vou continuar sonhando, Dona Cecília...rs
afee glória, que coisa linda!!! liiiindo! (:
ResponderExcluirEstou esperando...
ResponderExcluirAfiiii ainda não desestir.
Bjus menina linda.
Cecilia e Glória...
ResponderExcluirsempre um encanto! ^^
um bjo flor!
os poetas são uns tudos egocêntricos...
ResponderExcluire quem pode viver sem eles?
as imagens que vc me sugere estão sempre tão proximas...
um beijo :)
Ah! Ela chegou-me,
ResponderExcluire pediu para não sonhar,
mas eu insisti em sonhar
pois foi como tudo começou
agora que estou em seus olhos,
sonho mais alto,
com o amor.
Qual de nós seria a Cecília,
ela, a cigarra ou eu a farfalla,
que importa...
Quando nos olhamos in pensamento,
flutuamos...pra bem perto.
Todas estas delicias que colocas a mesa
Adoçam mais ainda este romance, dá todo o aroma de encontro desejado e já por muito adiado.
Belo este texto, sinto-me apanhada.
Bjinhos e uma semana com aroma de café moído a hora.
Existe coisa melhor do que o aroma do café e uma tapioca branquinha recheada com queijo coalho ?
ResponderExcluirSó o amor. Ele rende prosa poética de dar nó no estômago.
Beijão, Glória.
o amor é uma escolha, um chamado de longe... Gostei de seu espaço! Ah, já estou acompanhando-a, saia de trás da porta e acompanhe-me também... rsss ósculo/carlos http://carloscouto.blogspot.com/
ResponderExcluirÉ sempre bom ler uma boa litaratura, sabe essas coisas que tem poesia e torna a vida mais leve. Gostei desse cantinho e sempre que puder voltarei aqui.
ResponderExcluirBeijos!!!
Meg Macedo.