Camille Claudel
Raquel cerra os olhos, aperta as pálpebras até que o medo seja revertido em escuridão. A cancela do olhar é sua única via de fuga. Ela se encolhe e esconde a cabeça entre braços e pernas. Um rasgo de choro invade o silêncio dos gestos. O homem permanece ao seu lado. Em seu rosto delineia-se uma grave expressão de incredulidade. Uma mulher condenada por todo tipo de sortilégios não tremeria tanto diante do inusitado. Por outro lado, um homem que apenas conhece o poderio da força física não tem como esboçar temor diante da magia de uma mulher seguramente acorrentada. Ele havia escutado por todo o reino estórias prodigiosas acerca da feiticeira. Era alardeado aos quatro cantos seu poder de curar, predizer o futuro e o de provocar paixões passionais e traiçoeiras. Raul, o carcereiro, fora advertido para que em nenhum momento mirasse os olhos da presa. Seus movimentos no calabouço eram tão limitados quanto os de Raquel. O corpo de um homem e de uma mulher sabe das ondulações do desejo, mesmo que falte a vibração das palavras. Raul era um mouro destemido e, por isso mesmo, se julgava inabalável. Já fizera parte das linhas de frente das cruzadas e considerava o calabouço o lugar para um breve descanso. Costumava dizer que seu corpo era armadura e por isso dispensava escudos. Havia ganho a alcunha de gigante e essa batalha era considerada a mais branda de sua vida. Uma mulher com correntes envolvendo cada braço, pernas e por volta do pescoço parecia não oferecer ao lutador nenhuma espécie de risco. Ele estava à salvo, afora algumas zonas de percepção consideradas as mais valiosas armas do carcereiro. Seu faro de caçador, seu ouvido de predador, seu olhar de tiro certeiro. Todos os sentidos estavam ativados para o bem e para o mal. Os ouvidos não têm pálpebras e os olhos não sustentam invólucros de ferro. Ele não contava com a imagem de pingos de água deslizando por sobre os seios brancos de Raquel. Ele não imaginava que seus cabelos pretos volumosos tangenciassem a cintura e emoldurassem uma beleza de fêmea selvagem. Ele muito menos antevia a delicadeza e o silêncio aquietado na superfície da pele e dos gestos de uma mulher entre correntes. Ao deixar-se embeber por cada gota, ao burlar nós, cadeados e cancelas Raul foi sacudido pelo pranto ruidoso de Raquel. Ele não apreendeu esses golpes. O que fazer? Repentinamente, o carcereiro toma as chaves e afrouxa o metal que envolve o pescoço da mulher. As mãos ásperas do homem percorrem o caminho de lágrimas. Em seguida, seus dedos entrelaçam os fios do cabelo de Raquel em movimentos contínuos de cima até alcançar às pontas. Uma a uma. Havia um tempo sem que nada fosse dito. Apenas ruídos. O corpo é que fala as palavras. Cada fio desalinhado de cabelo, cada ternura deslizada parecia romper um quantum de sons abafados. Como rito primeiro de criação do mundo, Raquel fixa a visão em direção aos olhos do carcereiro e entoa uma canção. Um som modal, como um tufão de intensidade liberta o gemido acorrentado da feiticeira. O encantamento se sobrepôs à paisagem. Um corpo de mulher avoa livre em meio a escuridão. Não havia mais correntes nem armaduras. Apenas o coração de um homem abrigado nas asas de uma mulher.
Raquel cerra os olhos, aperta as pálpebras até que o medo seja revertido em escuridão. A cancela do olhar é sua única via de fuga. Ela se encolhe e esconde a cabeça entre braços e pernas. Um rasgo de choro invade o silêncio dos gestos. O homem permanece ao seu lado. Em seu rosto delineia-se uma grave expressão de incredulidade. Uma mulher condenada por todo tipo de sortilégios não tremeria tanto diante do inusitado. Por outro lado, um homem que apenas conhece o poderio da força física não tem como esboçar temor diante da magia de uma mulher seguramente acorrentada. Ele havia escutado por todo o reino estórias prodigiosas acerca da feiticeira. Era alardeado aos quatro cantos seu poder de curar, predizer o futuro e o de provocar paixões passionais e traiçoeiras. Raul, o carcereiro, fora advertido para que em nenhum momento mirasse os olhos da presa. Seus movimentos no calabouço eram tão limitados quanto os de Raquel. O corpo de um homem e de uma mulher sabe das ondulações do desejo, mesmo que falte a vibração das palavras. Raul era um mouro destemido e, por isso mesmo, se julgava inabalável. Já fizera parte das linhas de frente das cruzadas e considerava o calabouço o lugar para um breve descanso. Costumava dizer que seu corpo era armadura e por isso dispensava escudos. Havia ganho a alcunha de gigante e essa batalha era considerada a mais branda de sua vida. Uma mulher com correntes envolvendo cada braço, pernas e por volta do pescoço parecia não oferecer ao lutador nenhuma espécie de risco. Ele estava à salvo, afora algumas zonas de percepção consideradas as mais valiosas armas do carcereiro. Seu faro de caçador, seu ouvido de predador, seu olhar de tiro certeiro. Todos os sentidos estavam ativados para o bem e para o mal. Os ouvidos não têm pálpebras e os olhos não sustentam invólucros de ferro. Ele não contava com a imagem de pingos de água deslizando por sobre os seios brancos de Raquel. Ele não imaginava que seus cabelos pretos volumosos tangenciassem a cintura e emoldurassem uma beleza de fêmea selvagem. Ele muito menos antevia a delicadeza e o silêncio aquietado na superfície da pele e dos gestos de uma mulher entre correntes. Ao deixar-se embeber por cada gota, ao burlar nós, cadeados e cancelas Raul foi sacudido pelo pranto ruidoso de Raquel. Ele não apreendeu esses golpes. O que fazer? Repentinamente, o carcereiro toma as chaves e afrouxa o metal que envolve o pescoço da mulher. As mãos ásperas do homem percorrem o caminho de lágrimas. Em seguida, seus dedos entrelaçam os fios do cabelo de Raquel em movimentos contínuos de cima até alcançar às pontas. Uma a uma. Havia um tempo sem que nada fosse dito. Apenas ruídos. O corpo é que fala as palavras. Cada fio desalinhado de cabelo, cada ternura deslizada parecia romper um quantum de sons abafados. Como rito primeiro de criação do mundo, Raquel fixa a visão em direção aos olhos do carcereiro e entoa uma canção. Um som modal, como um tufão de intensidade liberta o gemido acorrentado da feiticeira. O encantamento se sobrepôs à paisagem. Um corpo de mulher avoa livre em meio a escuridão. Não havia mais correntes nem armaduras. Apenas o coração de um homem abrigado nas asas de uma mulher.
Glória, voltarei com mais calma e tempo para ler sua história, estou passando para desejar-lhe uma maravilhosa semana...
ResponderExcluirbjos
apoteÓTICA
ResponderExcluirOi Glória, BRAVO adorei ...
ResponderExcluirFemininamente apoteótica! Passei pra retribuir a visita e me encantei com seus textos, o astral, o visual... q bom! Virei seguidor. Bjos
ResponderExcluirAliás, gêmeos com asc. em gêmeos = comunicação à flor da pele. Tb sou geminiano!! bjo
ResponderExcluirEu ainda vou ler um livro de autoria da maravilhosa Glória!!! ahh se vou!
ResponderExcluirEssa mulher é incrível escrevendo...
Glorioso!
ResponderExcluirBjs
Rossana
Glória,
ResponderExcluirVocê é sempre tão gentil. Sempre visita o afeto e eu não apareço. Não que eu siga a troca de favores, mas leio o que gosto e vou ler você que fala das paixões, além de ilustrá-las.
Eu adorei a imagem da escultura. Assisti ao filme que conta a vida de Camille e Rodin. Triste forma de ser esquecido um talento.
Beijos.
Lendo teu belíssimo texto, só tive a confirmação praquela história que é do tempo das nossas avós: o amor liberta. E você usou isso de forma literal e metafórica. Amei!!
ResponderExcluirBeijos.
Glória!
ResponderExcluirVocê é o mais perfeito poema, minha linda!
E esse texto seu é uma obra de arte! (rsrsrsrsrs)
Você é sofisticada, delicada, inteligente e sensível em suas publicações! Por isso, eu amo estar aqui!
Um beijãooo!
Pedro Antônio :)
E que força tem Raquel.
ResponderExcluirLendo sua prosa poétia lembrei-me de Manoel Bandeira : "Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus – ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.”
Como sempre seus textos são deleites para os olhos e para a alma.
Grande beijo!
Dividamos nossas linhas!
ResponderExcluirImpossível não tremer com as tuas linhas.
ResponderExcluirTua palavra desenha liberdade, desejo, encontro.
No teu texto
“O corpo é que fala as palavras”.
Bj, Feiticeira.
Textos , linhas apontando pra tantas trilhas do desejo. Camille de Claudeis, coronéis de cangaços em terras frencessas , rosianas...mas asas que abrigam as letras dos desejos;))
ResponderExcluirMenina te acho linda, viu?
ResponderExcluirBjussssssssssssssssss.
ão saem palavras aqui
ResponderExcluirsó gemidos.
arre, mulher
"O corpo de um homem e de uma mulher sabe das ondulações do desejo, mesmo que falte a vibração das palavras."
ResponderExcluirAcho lindo como você tece tuas idéias, Glória.
Bjs
berenice
Quer dizer que a danada é maga?!
ResponderExcluirSó podia...
Ela tinha corrente no pescoço,veio um homem que não é dos porões, mas gosta de dar ali umas voltas, e a resgatou. Não sei por que acho q ela merecia estar ali. Nós queremos aprisionar belezas, vôos, frenêsi, ímpetos, ela devia ter tudo disso saltando d si para os olhos inibidores verem. Merece a prisão, com ferro no pescoço. A condiçao humana se aproveita de tudo para barrar o que, por exemplo, Raquel é.
Depois disto vejo que essas linhas são da libertação.
Tenho muita euforia em meu corpo hoje..Raquel tem culpa. Ela merece mesmo o calabouço :P
beijo mais que querida...
ps..que bom que hoje deutud certo.
Raquel é imagem. Desejo é prisão. Mas Raquel é desejo. Então Raquel é prisão. Raul vigia Raquel. Mas é Raquel que aprisiona Raul. Raul é a corrente e o olhar. Mas a corrente nunca se amolda ao corpo assim como o desejo jamais basta para um corpo que é desejo. Por isso o cabelo é a noite que cai. E por isso a umidade é que escorrega a vigilância de Raul. A única palavra da imagem é o simples desejo de ser mais que imagem. Mas quando a prisão de Raquel envolve Raul, talvez lá no alto outra constelação seja rabiscada. E tudo permaneça como desejo, moto-contínuo da vida, ruído interminável do ser na paixão de existir. Um beijo, Eduardo.
ResponderExcluirGlória, a nossa revista digital Entrelugares está organizando o terceiro número com o eixo temático corpo. Pensei muito em voce e na sua contribuição única, competente e séria. Voce bem poderia nos enviar um trabalho seu, o que acha? Ficaríamos muito honrados, pode crer. O nosso endereço é www.entrelugares.ufc.br
ResponderExcluirO que voce acha? Estou enviando esta mensagem por aqui, porque não consegui pelo orkut e não tenho seu email. O meu email é shara_pi@hotmail.com
Fico te aguardando. Beijo, Shara.
Glória, a nossa revista digital Entrelugares está organizando o terceiro número com o eixo temático corpo. Pensei muito em voce e na sua contribuição única, competente e séria. Voce bem poderia nos enviar um trabalho seu, o que acha? Ficaríamos muito honrados, pode crer. O nosso endereço é www.entrelugares.ufc.br
ResponderExcluirO que voce acha? Mandei mensagem por aqui pq não consegui por orkut, e não tenho mais teu email. Fico te aguardando. Beijo, Shara.
Ao meu querer!
ResponderExcluirDias noites, estações esquecidas
Inventei sonhos para sonhar
Lavei mágoas, dores perdidas
Uma árvore toca as águas da lagoa
O nevoeiro faz desenhos nas cumeeiras
Um Melro negro solta um pio ao acaso
A palavra quero-te diz-se de mil maneiras
Convido-te a ver a Cor da Claridade
Doce beijo
Olá Glória, Lindo conto, pena que parou...
ResponderExcluirHoje uma data muito especial ...
Feliz Dia do Amigo!!
A - Amor Profundo
M - Maduro e Pleno
I - Isento de interesse
Z - Zen = Leve, clean
A - Apartado da mediocridade
D - Desprovido de mesquinharia
E - Eterno, por estar presente!!
Bjs!
Aloha!!
Hod.
Oi, o Cordelirando está com a campanha+promoção: Ajude Salete Maria a CORDELIRAR!
ResponderExcluirDá uma conferida e, se der, participa e divulga, por favor!
Abraços!
Alguem pode me dizer onde se escondeu a Glória?
ResponderExcluirSaudades...
Rossana
Glorioso..
ResponderExcluirVocê ponhe alma no texto
Então Poetisa, hoje dia 25.07 Dia do Escritor...parabéns!!
ResponderExcluirForte Abraço!
Aloha!!
Hod.
Encantada!
ResponderExcluirUm beijo