sábado, 11 de outubro de 2008

Um dueto, ou uma carta de amor



Agora é quase meia-noite. Sob os meus pés, tenho as patas de Bilbo e uma vontade de carinho que nunca cessa. Vejo-te nos olhos dele. Nos olhos dele? Sei da imensidão que me circunda, o que temo transborda. Fico confortável quando avisto o limite de cada coisa, quando meço a palmo a distância de onde estou e o que me falta. No geral, antevejo e me apaziguo. Quando estivemos entrelaçados, desde o primeiro momento, não avistei o fim. Como um barquinho pequeno num mar infinito e eu navegante sem bússola.

Que menina esquisita! Quanto tempo faz que ela lança o olhar para não se sabe o que? Glória Maria, o que você faz ai, o que você está vendo? Desde bem pequena nunca entendi porque via sempre outras coisas que pareciam não compor a paisagem. Um dia perguntei: Como se faz para sair da gente e voltar? Foi quase sempre difícil me habitar sem trégua. Era banhada por uma desmesurada sensação de que cada coisa vista me falava, me convocava e eu tonta, gaguejava e me esquivava. Haveria delicadeza capaz de me sentir tomada pela mão em silêncio? Haveria?

Por isso sei meu amor como é preciso que os dedos deslizem pacientes por nossas superfícies tão protegidas, por nossos "quartos de angústia", por detrás das portas e dos pequenos recantos de estranheza e encantamento mútuo. A transparência que nos envolve é como um facho de luz de vaga-lume; existe apenas para quem também assume essa mesma condição. Já viu dois vaga-lumes no mesmo espaço escuro? A minha Glória é apenas ter experimentado e habitado o vácuo e reconhecer quando uma matéria viva o visita e resplandece.

Você fica na condição de quem sempre esteve lá, sabe de cada recanto meu, dos meus desvanecimentos, de onde falta a linguagem e de como ela vem em torrentes de tudo explicar, de tudo ocupar. Você sabe e eu não tenho mais onde me esconder. Sabe que a "menina dos talcos" permanece trêmula e lívida. Você sabe, eu deixo e me entrego! "És tú quem sempre esteve dentro de mim, sou eu quem estive acolá".

Ao dono deste gato, aqui comigo.

2 comentários:

  1. Mandando um abraço com um cheiro bom para essa escritora-antropóloga talentosa.

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  2. As vezes acho que ela é de outro planeta, é um ser tão sensível, tão delicada e forte ao mesmo tempo, tão corajosa e medrosa ao mesmo tempo, ela é assim essa mistura gostosa que banha todos ao seu redor com pingos de amor. Essa mulher é a mais inteligente que conheço e agora com seu blog todos vão poder acompanhar e admirar seus escritos que mais parecem poesias de tão belos.Parabéns querida você merece tudo de bom!!!
    Te amo

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Ventanias